sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sentença

Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa


Acção Especial para Impugnação de Acto Administrativo, e
Acção de Condenação à prática de Acto
Processo nº 258/9631

            João Àrrasquinha, identificado no auto em suporte de papel, veio ao abrigo do disposto no art. 2º, nº2 d) CPTA requerer a Impugnação de Acto Administrativo contra o Ministério Das Finanças e da Administração Pública pedindo que seja declarada a ilegalidade do acto administrativo que procedeu à redução salarial em 10% da remuneração do Autor, e cons4equentemente o ajuste do valor do seu ordenado. Vem ainda o Autor, ao abrigo do disposto do art. 4º e art. 47º CPTA cumular esta acção com a condenação à prática do acto devido, nos termos do art. 2º, nº2 e) com vista a impor à Entidade Demandada, Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicação e aos Contra-Interessados, Sobetão, S.A. à prática do acto devido, de suspensão da obra de construção do segundo Aeroporto de Lisboa, em Alcochete.
            Para tanto alegam, em síntese, que:
            - João Àrrasquinha é funcionário público do Estado e exerce a actividade de Estafeta do Ministério da Economia, recebendo mensalmente 500€, valor de referência aos meses anteriores a Maio.
            -Na sequência da celebração do Acordo Internacional, a 25 de Fevereiro de 2011, entre Portugal, o FMI, BCE e o FUE, houve uma imposição ao Governo Português de várias medidas de redução orçamental. O Governo, por Resolução do Conselho de Ministros de 2 de Março de 2011 veio impor a redução de 10% dos ordenados dos funcionários públicos, que aufiram uma retribuição superior ao salário mínimo nacional, e ainda a suspensão das obras do Aeroporto de Alcochete. Ainda na Resolução em causa ficou definido que ambas as medidas ficariam dependentes de uma Portaria a ser emitida posteriormente pelos Ministérios e Ministros competentes das áreas em causa.
            -Consideram, portanto o Autor que o acto de redução do respectivo salário é ilegal pois a Portaria referida supra nunca chegou a ser emitida pelo Ministério do Trabalho, posteriormente à Resolução de 2 de Março. Logo existe violação do principio legal a que o processo administrativo esta adstrito, violação dos arts. 3º nº1 CPA, art. 266º nº2, art, 59 nº1 a), art.19º nº1 CRP, lei 23/98 de 26 de Maio art.1º nº1 e art.470º CT.
            -Relativamente ao pedido da suspensão das construções do Aeroporto de Alcochete vem o referido Autor alegar que a 16 de Março foi emitida pelo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações uma portaria que impunha a suspensão imediata das obras no respectivo aeroporto, contudo o Francisco Espertalhão, filho de João Àrrasquinha toma conhecimento, pelos meios da comunicação social, que a construção do Aeroporto continuava em execução e que por consequência encontra-se a referida construção a violar a Portaria emitida pelo Ministro das Obras Públicas, e requerem que tendo em vista o acordo celebrado entre Portugal e o FMI que este seja cumprido, assim como a Portaria de 16 de Março.


            Notificado para o efeito, a Entidade Demandada respondeu por excepção, invocando que o pedido de declaração de nulidade da redução salarial era ininteligível nos termos do art. 193º nº2 a) CPC, tal constituindo fundamento de nulidade de todo o processo nos termos do art. 193º nº 1 CPC, como consequência haveria a anulação de todo o processo posterior à petição, art. 194º CPC, tal sendo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, art. 495 CPC e tendo em conta a natureza do regime seria uma excepção que levaria à nulidade de todo o processo, art. 494 b).
            -O Réu vem alegar que a redução salarial aplica-se apenas às retribuições superiores ao salário mínimo, tal como seria o caso de João Àrrasquinha, o que tal levou mesmo à referida redução tendo como fundamento a grave crise económica do país e que a redução em 10% no salário não era susceptível de gerar uma grave carência económica. Ainda tratando-se do salário de um direito nos termos do art. 59ª nº1 a) CRP seria susceptível de haver a sua restrição tendo em conta o art. 18º nº2 CRP, não estando em causa o art. 19º CRP . A redução salarial não violaria portanto o art. 59 nº1 a) CRP estando respeitado o art. 18º nº3 CRP, e também todo o processo de emissão da Portaria após a resolução do Conselho de Ministros, não havendo violação do art. 56º nº2 CRP e art. 470º CT.
            -Foi ainda dado como impugnação que a Portaria a ser emitida pelo Ministério do Trabalho tinha de facto sido emitida, Portaria nº 734/2011 e que em relação à noticia divulgada na comunicação social esta seria falsa pois estavam em causa apenas obras de conservação e de limpeza havendo um Relatório do Ministro das Obras Públicas a confirmar esses factos, não havendo violação assim do art. 66º nº1 CPTA. É ainda invocada pelo Réu a inadmissibilidade da cumulação de pedidos em violação dos arts. 47º e 4º nº1 CPTA, e como consequência dessa falta de pressupostos haveria a absolvição da instância nos termos do art. 4º nº3 e 47º nº 5 CPTA.


            Apreciando.

            Atendendo à cumulação de pedidos, resulta do principio da livre cumulabilidade de pedidos, art. 4º e art. 47º CPTA que diferentes tipos de pretensões podem ser deduzidos perante os tribunais administrativos desde que exista uma conexão entre os pedidos deduzidos , resultante do facto de a respectiva causa de pedir ser a mesma e única e os pedidos estarem numa relação de prejudicialidade e dependência, ou ainda de procedência dos pedidos depender da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas, art 4º e 47º CPTA. Na presente causa estamos perante a cumulação de um pedido de impugnação de acto administrativo, que determina a redução salarial, e perante também um pedido de  condenação à pratica de acto devido, de impor a suspensão dos trabalhos de construção no aeroporto de Alcochete. Os dois pedidos não se encontram numa relação de prejudicialidade, nem de dependência, art 47º nº4 a) e art. 4º nº1 a) CPTA, nem a sua validade pode ser verificada com base na apreciação dos mesmos factos e fundamentos de direito do art. 47º nº 4 b) e art. 4 nº1 b) CPTA. A cumulação é portanto ilegal existindo uma excepção dilatória.

            Notificado o autor para escolherem a acção que desejam ver apreciada pelo Tribunal, este manifestou querer que a acção que procedesse fosse a da impugnação do acto administrativo. Com a referida escolha não existe outra possibilidade se não absolver o Réu da instância relativo ao pedido de prática de acto devido, bem como a consequente absolvição dos Contra-Interessados, Sobetão, SA.


            Atendendo, então, ao alegado pelas partes, aos documentos juntos aos autos, bem como à audição das testemunhas apresentadas em sede de Audiência de Julgamento, consideram-se assentes por relevantes à decisão a proferir os seguintes factos.

1.      António é estafeta no Ministério da Economia e aufere mensalmente a título de retribuição 500€

2.      A redução de 10% de todas as remunerações de funcionários públicos que aufiram retribuição superior ao ordenado mínimo nacional, fixado em 485€

3.      O Autor viu o seu ordenado reduzido, a 22 de Abril sendo o salário referente a Maio, 50€ aplicando a redução de 10%, correspondendo o seu novo vencimento mensal a um valor de 450€ mês, valor inferior ao ordenado mínimo nacional fixado em 485€.

4.      O procedimento relativo à legislação de trabalho foi verificado, visto que as entidades referidas na lei nº23/98 de 26 de Maio e art. 470º CT foram ouvidas por confirmação do Alto Representante do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Centro.

5.      As despesas correntes do Autor João Àrrasquinha nunca serão inferiores a 450€ tendo em conta a renda de casa, alimentação e medicamentos.

O artigo 2º nº2 do CPTA permite o recurso à acção principal e autónoma de Impugnação de Acto Administrativo, assim no presente caso aduzem os factos que indicam que se trata de uma situação que permite o acesso a este tipo de acção, reivindicando uma decisão de mérito.
Com efeito, resultando da factualidade assente na promulgação da Resolução de Conselho de Ministros e da Portaria 734/2011, pode-se considerar a acção como meio processual adequado para a salvaguarda do princípio consagrado no art.59º CRP. Em termos de justiça é tradicional a defesa de um salário justo para o trabalhador, cujo valor não resulte apenas do mercado, mas antes permita assegurar uma existência condigna, esse princípio encontra-se estabelecido em vários instrumentos internacionais. Assim, o art. 23º nº3 DUDH inclui entre os direitos humanos o direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, permitindo uma existência conforme com a dignidade humana. Por esse motivo, o art. %9º nº1 CRP determina que o trabalho deve ser retribuído segundo a quantidade, natureza e  qualidade de forma a garantir uma existência condigna. Este comando vem a ser reiterado no art. 270 CT, sendo o direito a uma existência condigna assegurado através da retribuição mínima garantida, que é emitida  pelo Governo. A doutrina refere, como fundamentos para a imposição de  uma retribuição mínima garantida o respeito por um modo de vida digno e sadio e, o próprio Governo com a imposição de um valor mínimo vem, implicitamente, determinar que atendendo às crescentes necessidades dos trabalhadores, o aumento progressivo do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação de desenvolvimento que a imposição de um valor equitativamente equilibrado seria o valor de 485€.
O respeito por este valor imposto não se verifica, pois apesar de inicialmente o Autor auferir um rendimento superior ao ordenado mínimo nacional, após a referida redução de 50€, o Autor passa a receber um valor inferior ao salário mínimo imposto legalmente. Assim, este acto para além de ilegal é também inconstitucional por violar o mínimo imposto como retribuição. No âmbito do princípio da discricionariedade a Administração tem a liberdade de nos limites impostos pelo Governo, fixar o valor mais adequado, contudo existe um limite máximo para essa discricionariedade, e esse limite é imposto pelo salário mínimo nacional. Assim, a redução do salário de João Àrrasquinha pode ser reduzido ate ao limite mínimo de 485€, a partir desse limite a Administração já não pode baixar mais. Fixando a Administração um valor dentro dos limites legais não pode o Tribunal apreciar o mérito da sua decisão, o Tribunal apenas pode apreciar se o acto extravasa os limites legais. No referido caso, houve um limite que foi ultrapassado e nessa medida o Tribunal decide a favor do Autor e impugna o acto da Administração por violar o mínimo legal permitido

Decisão

Termos pelos quais se decide absolverem a Entidade Demanda e os Contra-Interessados, a Sobetão, SA em relação ao pedido de Prática do Acto Devido.
 E decide o Tribunal a favor do Autor na Impugnação do Acto da Administração por haver fundada ilegalidade na prática do mesmo por não respeitar os limites mínimos de retribuição impostos pelo Governo.




Registe e notifique pela via mais expedita
Lisboa, 25 de Maio de 2011
Os Juízes de Direito
                    Ana Vieira         Joana Gabriel        Joana Calado         Luís Ferreira 

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Cumulação de Pedidos

O artigo 20º CRP garante aos cidadãos o direito de acesso aos tribunais e ao direito, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O cerne desta garantia consiste no direito à protecção pela via judicial que possui dimensões substanciais, que compõem o já mencionado direito a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. O direito à protecção judicial é ainda reforçado pelo artigo 205º CRP, que determina a obrigatoriedade das sentenças para todas as autoridades e a imposição de legislação que garanta a sua execução real.
O artigo 268º CRP concretiza especificamente este direito à protecção judicial, consagrando o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos perante a Administração. Este princípio é reafirmado no artigo 2º n.º 2 CPTA, quando se determina que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”.
A tutela jurisdicional efectiva tem de ser, no entendimento de VIEIRA DE ANDRADE, que nós seguimos, assegurada na sequência da determinação constitucional, numa tripla dimensão. Assim, quanto à disponibilidade de acções ou meios principais adequados, mas também no plano cautelar e executivo, quanto às providências indispensáveis para a garantia da utilidade e efectividade das sentenças. Daí que o princípio surja densificado, segundo o método pedagógico que o CPTA apresenta, na exemplificação de algumas das pretensões admissíveis, completada na enumeração dos possíveis objectos de litígio feita (a técnica do “repete-repete-repete”, modo Contencioso Administrativo for dummies) a respeito dos diversos processos.
Deverá também, segundo VIEIRA DE ANDRADE, acrescentar-se que a tutela jurisdicional efectiva em matéria administrativa estende-se à protecção do interesse público e de valores comunitários como a saúde pública, o ordenamento do território, o ambiente, o património cultural, etc.
A cumulação de pedidos, nos termos do CPTA, é admitida com uma grande abertura. Veja-se, a este propósito, o artigo 4º e também o artigo 47º, este último a propósito da acção administrativa especial. A cumulação de pedidos representa uma real e louvável metamorfose no sistema da justiça administrativa, tendo em conta que permite ultrapassar as limitações e as consequências que podiam apontar-se à rigidez dos meios processuais, superando, assim, as barreiras da diferença de competência ou de tramitação, nomeadamente no que diz respeito à obtenção de uma sentença que confira aos particulares uma tutela efectiva em tempo útil. E é aqui que a tutela jurisdicional efectiva se relaciona com a cumulação de pedidos. É ao serviço dos particulares que tudo existe.
A possibilidade de cumular pedidos, mesmo nos termos previstos no artigo 5º n.º 1, possibilita obter, utilizando um exemplo de VIEIRA DE ANDRADE, juntamente com a anulação de um acto, não só a condenação à prática de acto administrativo devido, mas também a reconstituição da situação hipotética, a anulação de um contrato celebrado, o reconhecimento de um direito, uma indemnização ou tudo isso. Anteriormente era necessário utilizar vários meios, com condições processuais distintas, muitas vezes em diferentes tribunais. É para garantia dos direitos dos particulares que tudo existe.
A reforma do Contencioso Administrativo chegou tarde e a más horas. Mas chegou. E trouxe consigo a figura da cumulação de pedidos, que constitui uma mudança significativa na garantia de acesso efectivo dos particulares à justiça administrativa. É, por outro lado, aquela que acabará por implicar uma maior capacidade de adaptação do juiz para adequação do processo às necessidades práticas.
A cumulação de pedidos, apesar de tudo, é uma faculdade de que dispõe o autor que deve ser utilizada estrategicamente, atendendo sempre às suas próprias expectativas perante as circunstâncias do caso concreto. No fundo, apesar de representar uma grande vantagem aos particulares, estes devem ter em consideração a sua utilidade, na medida em que a cumulação de pedidos pode envolver uma mais lenta celeridade processual, o que pode ser prejudicial ao autor, nomeadamente quando dela resulte uma maior complexidade da instrução. Daí que a própria lei, no seu artigo 90º n.º 3, permita que o tribunal diferencie no tempo os momentos instrutórios, para esclarecer primeiramente as questões relativas à pretensão principal, quando se cumulem pedidos que envolvam o reconhecimento de uma ilegalidade com outros que impliquem a condenação da Administração.

Recuso Hierárquico

A Lei do Procedimento dos Tribunais Administrativos previa nos seus artigos 25º nº1 e 34º a impugnação administrativa necessária ou recurso hierárquico necessário como pressuposto da impugnabilidade contenciosa de actos administrativos.
Assiim sempre que o particular quissesse recorrer à via contenciosa com vista á impugnação de um acto da Administração que lesasse os seus direitos ou interesses teria  que recorrer à via graciosa mediante reclamação ou impugnação administrativa e esperar determinado prazo por uma decisão do superior hierárquico em relação ao acto praticado pela entidade que lhe está infra ordenada, e só aí poderia recorrer aos tribunais administrativos para fazer valer a sua pretensão.


A reforma do contencioso administrativo o parece ter afastado pelo artigo 51º e ainda pelos artigos 59º nº4 e 5 este requisito de anterior recurso hierárquico necessário, ao deixar de fazer qualquer referência expressa a este. Denota se aqui a intenção expressa do legislador de afastar o requisito da definitividade vertical do acto administrativo impugnado contenciosamente. Esta referência expressa,no entanto, mantém-se em algumas leis especiais, sendo segundo o Porf M. Aroso de Almeida resultado de "uma opção consciente e deliberada do legislador, que não procedeu aliás à sua revogação".
Tem sido então discutida pela doutrina e jurisprudência a questão da definitividade vertical do acto administrativo enquanto pressuposto de acto impugnável e da manutenção de um recurso hierárquico necessário,certas e determinadas situações. As opiniões têm divergido, tendendo a doutrina a entender que já não existe um recurso hierárquico necessário em geral, mantendo-se apenas quando exista referência expressa em lei especial de tal pressuposto de impugnabilidade contenciosa do acto administrativo.
O Prof. Mário Aroso de Almeida refere nos que não é exigido para, haver interesse processual, enquanto pressuposto da acção administrativa, que o autor demonstre ter tentado de modo infrutífero obter a remoção do acto que considera ilegal e que o lesa nos seus direitos e interesses, através do recurso à reclamação ou impugnação administrativa. Na ausência de disposição legal expressa (anterior à reforma do contencioso administrativo e não meramente proveniente de regulamento) devemos entender que os actos administrativos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis perante os tribunais administrativos, sem  necessidade de recurso hierárquico prévio,deixa assim de ser necessário, embora possa ser útil, nestes casos. No entanto dado que não cabe ao intérprete ou aplicador tomar uma decisão que o legislador não tomou, a de revogação das disposições presente em lei avulsa que prevêem o recurso hierárquico necessário, sempre que tal esteja previsto na lei, as decisões administrativas para serem impugnadas contenciosamente tem que ser primeiro impugnadas por via administrativa, para o superior hierárquico do órgão que pratica o acto.
O Prof.Mário Aroso de Almeida entende que uma vez intentada a impugnação administrativa necessária, nos casos em que se encontra expressamente prevista, a via contenciosa a seguir será sempre a via impugnatória, quer a reclamação ou o recurso hierárquico tenham sido objecto de indeferimento expresso ou quer não tenham merecido qualquer resposta por parte do órgão competente para os decidir. É assim porque a pretensão do particular não se dirige à prática de um acto legalmente devido pela Administração, mas à remoção de um acto administrativo de conteúdo positivo que foi ilegalmente cometido. Exemplo do funcionário que foi ilegalmente demitido que pretende  a remoção do acto de demissão, para poder recuperar o lugar do qual foi ilegalmente afastado.
O indeferimento ou o decurso do prazo legalmente fixado para que a reclamação ou o recurso hierárquico necessários fosse decididos, sem a emissão de uma decisão,  abre o acesso à via contenciosa, nomeadamente impugnatória.
O Prof.José Vieira de Andrade vem justificar um recurso hierárquico necessário prévio com o fim visado pela lei de evitar intervenções desnecessárias dos tribunais, condicionando o acesso aos tribunais a uma pronúncia, ou oportunidade de pronúncia, prévia da Administração em relação à pretensão impugnatória do particular. Para este autor, e em sentido contrário ao que é defendido pela maioria da doutrina, nomeadamente o Prof.Vasco Pereira da Silva, a exigência legal do recurso hierárquico prévio não contraria o disposto no artigo 268º nº4 da Constituição da República Portuguesa. Trata-se, assim , de um condicionamento legítimo, e não uma restrição, do direito de acção dos particulares contra actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, visto que, que não impede o exercício posterior da acção contenciosa contra aquele mesmo órgão, quando este se tenha pronunciado de modo autónomo do órgão recorrido ou quando haja acto expresso que decida o recurso. Para além disso defende o autor que os meios de impugnação administrativa quando considerados por lei necessários, suspendem de modo automático a eficácia do acto, são informais e proporcionam inúmeras vantagens, incluindo a de obrigar uma entidade administrativa mais qualificada, porque superior hierarquicamente, a pronunciar-se sobre a situação e por último encontram-se sujeitas a decisão em prazo curto. O juiz contudo deverá dispensar a impugnação administrativa necessária sempre que tal implique, no caso concreto, uma restrição de natureza  intolerável do direito ao recurso contencioso, não só na perspectiva de efectividade substancial da tutela como na de direito a uma decisão em prazo razoável.
Em sentido contrário, e numa posição mais radical, Vasco Pereira da Silva entende o recurso hierárquico prévio como desnecessário face à alteração que ocorreu em virtude da reforma legislativa do contencioso administrativo.
Antes da reforma o autor já se tinha pronunciado pela inconstitucionalidade da figura do recurso hierárquico necessário face ao disposto no artigo 268º nº4 da CRP, pois a inadmissibilidade de recurso contencioso, quando não tenha existido previamente o recurso hierárquico necessário, equivale na uma negação de um direito fundamental que é o acesso aos tribunais administrativos. A distinção feita no âmbito da lei anterior entre recurso hierárquico necessário e facultativo tinha  a ver com a questão de saber se o acto administrativo era ou não insusceptível de recurso contencioso, o que não faz sentido face à solução consagrada pelo CPTA.
O CPTA afasta definitivamente a necessidade de recurso hierárquico, como pressuposto de impugnação contenciosa dos actos administrativos através de a)consagração de impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo que possa lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de particulares ou que seja dotado de eficácia externa, pelo artigo 51º nº1 CPTA (e não apenas dos actos praticados por superiores hierárquicos )e de b) atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias administrativas, pelo artigo 59ºn4 CPTA.
No entendimento do Porf Vasco Pereira da Silva o recurso hierárquico passou a ser desnecessário, mas tornou-se útil. Assim sendo, o  particular tem agora a possibilidade de escolher entre a utilização prévia de uma garantia graciosa ou recurso hierárquico ou de aceder logo à via de impugnação contenciosa, podendo fazê-lo também quando recorrer previamente à via graciosa.
O autor não concorda com a interpretação restritiva feita pelos Profs.Mário Aroso de Almeida e José Vieira de Andrade no sentido de que só foi revogada a regra geral da existência de recurso hierárquico necessário, constante do CPTA, mas não as inúmeras disposições constantes de lei avulsa que prevêem expressamente o recurso hierárquico necessário como condição da impugnação contenciosa de determinados actos administrativos. Este autor entende que se trata de uma contradição insanável a ideia segundo a qual o recurso hierárquico deixou de ser necessário, mas ainda assim possa continuar a ser exigido como condição prévia de impugnação. Estaríamos assim perante o nascimento de uma figura conceptual que o autor denomina de "recurso hierárquico desnecessário necessário". Deve entender-se que as normas constantes de lei especial caducam por falta de objecto, na medida em que a garantia que antes lhe estava nas bases e que deixou de ser um pressuposto processual da impugnação de actos administrativos.
A solução defendida pelo autor seria a seguinte: a revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário, por uma questão de segurança e certeza jurídicas, dado que elas já caducaram nos termos referidos anteriormente; e a generalização da regra de atribuição de efeito suspensivo a todas as garantias administrativas, eventualmente acompanhadas da fixação de um prazo curto para o exercício da faculdade de impugnação administrativa pelos particulares (30 dias – prazo geral para a prática de actos administrativos de acordo com o artigo 168º nº1 CPA), que apenas teria relevância para a aplicação do regime de suspensão automática da eficácia, até a decisão do recurso hierárquico ou garantia administrativa. Deste modo seriam satisfeitos todos os interesses relevantes em presença; o do particular que passava a gozar de um maior estímulo para utilizar o recurso hierárquico e as garantias administrativas sem nunca ver precludido o respectivo direito de acesso ao tribunal; o da Administração, que passaria a ter em termos mais amplos uma segunda oportunidade, para melhor cumprir a legalidade e realizar o interesse público, podendo satisfazer desde logo as pretensões do particular e pôr termo ao litígio e por último o bom funcionamento do sistema de justiça administrativa pois o eficaz funcionamento das garantias administrativas afastaria da esfera dos tribunais administrativos litígios que poderiam ser previamente resolvidos. Esta solução ideal encontra-se contudo muito longe de ser a solução adoptada pelo nosso legislador, ficando por enquanto apenas na esfera do idealismo, mas podem ser dados maiores passos na resolução legislativa desta questão. O recurso hierárquico é assim desnecessário mas pode revelar-se útil para os particulares que pretendem fazer valer as suas pretensões contra a Administração.

Em conclusão,considero que na prática continuam a existir algumas situações de recurso hierárquico necessário, quando a lei o preveja expressamente, sufragando neste aspecto a opinião do Prof.Mário Aroso de Almeida. Nas situações em que o recurso hierárquico não seja necessário por revogação expressa operada pelo artigo 51º nº1 CPTA, ainda assim ele pode ser útil conferindo ao particular a oportunidade de pedir primeiro uma decisão por parte do superior hierárquico do autor do acto administrativo, podendo o autor ter um interesse atendível nesta reclamação ou impugnação administrativa prévia. Ao mesmo tempo permite-se assim libertar os tribunais administrativos, para a resolução de outras questões, de questões que podem ser resolvidas mediante um recurso hierárquico que revogue a decisão que lesa direitos e interesses legítimos do particular tomado por uma outra entidade que se encontra a ele subordinado hierarquicamente.

A Responsabilidade da Administração por Actos de Gestão Pública


Com base na Constituição da Reoública Portuguesa (doravante CRP) distinguimos duas ordens jurisdicionais, por um lado, os tribunais judiciais e por outro os tribunais administrativos (e fiscais), art. 209.ºn.º1. Estamos então perante duas ordens jurisdicionais formadas por um conjunto de tribunais hierarquizados e encabeçados por um supremo tribunal próprio, integrados por magistrados com estatutos e carreira específicos.
A ordem jurisdicional comum e a administrativa são articuladas por um Tribunal dos Conflitos, formado por magistrados dos dois Supremos Tribunais.
A responsabilidade administrativa baseia-se na distinção entre danos causados no desempenho de actividades de gestão privada ou de gestão pública, respondendo, respectivamente, perante os trinunais judiciais ou perante os tribunais administrativos.
Cabe a última palavra ao Supremo Tribunal Administrativo orientar com a sua jurisprudência a aplicação do Direito na matéria da responsabilidade extracontratual da Administração por actos de gestão pública.
O conceito de actos de gestão pública é bastante importante para determinar a competência dos tribunais administrativos e comuns, nas acções de responsabilidade extracontratual da Administração. Este conceito surgiu no Código Civil de 1967, e pelo DL n.º48051, de 21 de Novembro de 1967, que regula a matéria da responsabilidade extracontratual do Estado não submetida à aplicação directa do Direit Civil.
Ao longo do tempo foram então sendo identificadas várias situações típicas que nos permitem distinguir e definir os actos de gestão pública e os actos de gestão privada.
Segundo a doutrina do professor Marcelo Caetano, os actos de gestão pública são identificados a partir do poder de autoridade. A actividade administrativa é regulada pelo Direito Público, por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público.
Já Freitas do Amaral considera os actos de gestão pública à luz de uma teoria do enquadramento institucional, aqueles que sejam praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de uma função pública, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção. É também esta, no geral, a orientação seguida pela jurisprudência do Tribunal de Conflitos.
A responsabilidade administrativa por actuação de gestão pública pode então assumir três modalidades, a responsabilidade por facto ilícito culposo; a responsabilidade pelo risco e a responsabilidade por actos lícitos.
A responsabilidade por facto ilícito culposo, prevista no art. 6º do DL n.º48051 de 21 de Novembro, é uma responsabilidade subjectiva, baseada na culpa, e apreciada segundo os pressupostos: facto ilícito, culposo, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O direito subjectivo exige uma susceptibilidade de apropriação individual do seu objecto.
O facto ilícito não abrange apenas as condutas que violam regras e princípios, mas também os comportamentos que não sejam dotados da diligência exigida, ou causem dano. Podem consubstanciar uma acção ou uma omissão.
A culpa, baseia-se na imputação de uma lesão do ambiente a um sujeito administrativo, quer em resultado de uma actuação individualizada de um órgão ou agente, quer decorrente do mau-funcionamento se um serviço público.
O dano pode ser analizado na prespectiva da “quantidade”, de modo a poder determinar a partir de que momento podemos afirmar estar na presença de um dano suportável ou insuportável, de modo a delimitar a indemnização por danos “razoáveis”.
O nexo de causalidade entre o facto e o dano é também de dificil verificação, até porque, na maior parte dos casos não há apenas uma causa que gera o dano. Recorre-se então, na maior parte dos casos, a “presunções de causalidade”, que dão grande margem de decisão ao juiz, que recorre a “regras de probabilidade”.
Analisamos de seguida a responsabilidade pelo risco, art. 8º do DL nº48051. A administração é responsável pelos danos que causa no exercício de actividades perigosas, de risco. Trata-se de uma responsabilidade objectiva, pelo que não é necessário demonstrar a culpa.
A responsabilidade administrativa por factos lícitos vem consagrada no art. 9º do DL n.º48051, nos termos do qual a administração é responsável quando tenha, licitamente, imposto encargos que tenham causado danos anormais, que o particular não podia prever, e que o lesão nos seus direitos e expectativas tuteláveis.
A grande vantagem desta dualidade e separação é a possibilidade de, no mesmo meio processual, poder apreciar a ilegalidade do acto administrativo causador do dano e do pedido de condenação no pagamento de indemnização.
A grande vantagem desta dualidade e separação, e que impede que se regresse à ideia do juiz comum da responsabilidade extracontratual da admisnitração por actos de gestão pública reside na possibilidade de, no mesmo meio processual, poder apreciar a ilegalidade do acto administrativo causador do dano e do pedido de condenação no pagamento de indemnização.

Bibliografia

Vasco Pereira da Silva, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, coimbra, almedina, 2009

José Manuel Sérvulo Correia. - Vol. 2. - Estudo nº 26, publ. em: Cadernos de justiça administrativa, nº 16 (Jul.-Ago. 1999)

Acção de Condenação á prática do Acto Devido

A acção de condenação à prática de acto administrativo devido é uma modalidade de acção administrativa especial, à luz do artigo 46º/2-b) CPTA, e vem regulada nos termos dos artigos 66.º e seguintes do CPTA.

Nem sempre assim foi, pois até à Reforma do Contencioso em 1984/85, estava em vigor um Contencioso de mera anulação,de inspiração Francesa, no qual figurava o recurso directo de anulação, segundo o qual a condenação da Administração só era admitida para as acções em matéria de contratos e de responsabilidade, e, ainda assim, de forma limitada,e de forma "encapotada", no âmbito do contencioso de anulação, através da ficção do acto tácito de deferimento. O Prof. Vasco Pereira da Silva refere que este método representava uma forma ineficaz de tutelar os direitos dos particulares com os seguintes argumentos; a construção de um acto que se"finge" existir para depois "se fingir" que se anula para se continuar "afingir" que daí resulta qualquer obrigação de praticar o acto contrário não tem qualquer relevância do ponto de vista prático nem teórico.
E isto porque ao Tribunal só cabia o poder de anular actos, e nunca de dar ordens à Administração que tinha por detrás dela o "todo poderoso" Estado, assim uma ordem de condenação não teria senão a eficácia de uma mera anulação, já que "julgar" não pode ser "praticar actos em vez da administração". Era este o entendimento daqueles que pensavam estar, assim, a respeitar o princípio da separação de poderes. Ora, esta confusão entre o poder de julgar e o de administrar não tem sentido, visto que, uma coisa é condenar a Administração à prática de actos administrativos o que corresponde a tarefa de julgar, outra é o tribunal praticar actos em vez da administração e assim interferir no domínio da discricionaridade Administrativa, fazendo sentido, neste último caso,sim, invocar o principio da separação de poderes.

Nos Casos de Omissão Legal surge, com a Reforma do Contencioso (1984/85), a acção para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 69.º LEPTA), o qual vigorou ao lado do recurso directo de anulação, e das tradicionais acções, em matéria relativa a responsabilidade civil e de contratos. Neste sentido, os particulares poderiam optar entre intentar logo a acção para o reconhecimento de direitos ou optar por utilizar o recurso de anulação do indeferimento tácito, neste sentido pronuncia se o Prof. Freitas do Amaral.
Só com a revisão constitucional de 1997, surge efectivamente um novo meio processual de natureza condenatória criado pelo legislador constituinte. Denota-se, então, a possibilidade de determinação da prática do acto devido , componente essencial do princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares, em face da Administração(artigo 268.º/4 CRP), possuindo este natureza de direito fundamental, e então , imediatamente aplicável de acordo com o artigo 18 nº 1 CRP.
E é assim, ao longo deste "processo terapêutico", com a passagem da Administração agressiva a prestadora e infra-estrutural , e com a superação dos "traumas de infância" do contencioso de plena jurisdição que surge a acção de condenação á prática do acto devido como modalidade de acção administrativa Especial, art. 66 CPTA.
O artigo 66.º CPTA abrange, duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido:
a) condenação à emissão de acto ilegalmente omitido;
b) condenação à emissão de acto ilegalmente recusado de conteúdo favorável, em substituição do acto anterior desfavorável
No que diz respeito ao objecto do processo, este deve incidir sobre uma ligação do pedido e da causa de pedir, considerados como dois aspectos de direito substantivo invocado. Como invoca MANDRIOLI o pedido e a causa de pedir são simultâneamente "verso e reverso da mesma medalha, sendo certo que a medalha de que estas duas perspectivas são as duas faces, é o direito substancial e , mais precisamente,o direito substancial afirmado".

Importa agora referir o que é o acto devido.
Na visão do "objecto do processo" defendida pelo professor Vieira de Andrade, o acto devido é aquele que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão , quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão.
Todavia, o professor Vasco P. da Silva não concorda com esta sobre valorização do pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor, isto é, a condenação na prática do acto devido) sobre o pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende tutelar com esse efeito) e à causa de pedir (a lesão pela omissão ou pela actuação ilegal da administração), pois adopta antes uma concepção ampla do processo, que abrange também a consideração da causa de pedir. Assim,o objecto será a pretensão do interessado, mais correcta e especificamente, o direito subjectivo do particular a uma determinada conduta da administração; e não o acto de indeferimento.
Esta visão merece a concordância do professor Mário Aroso de Almeida, que refere: "o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório,no sentido em que , mesmo quando tenha havido lugar á prática do acto devido o objecto do processo não se define por referência a esse acto ". Daqui se retira a irrelevância da existência do acto administrativo prévio, sendo que mesmo quando ele exista, a apreciação judicial apenas incidirá sobre a posição substantiva do particular. Conclui se,então, que o acto administrativo não possui qualquer autonomia ,em caso de procedência do pedido do particular relativamente ao direito subjectivo lesado,ele é automaticamente eliminado.
O artigo 71.º CPTA, adopta a concepção ampla, pois o que o tribunal aprecia verdadeiramente é a concreta relação administrativa entre o particular e a Administração, no intuito de apurar a existência ou não do direito do particular, e determinar o próprio conteúdo do acto devido. Mais, o tribunal aprecia a concreta relação jurídica material tal como se configura no momento em que a decisão vai ser proferida, o que permite ao particular impugnar não só os actos praticados antes do processo, como também actos parcial ou totalmente desfavoráveis praticados na pendência da acção - artigo 70.º/1 e 3 CPTA. Assim, de denota que os poderes de pronúncia do juiz devem ir tão longe quanto o exigirem os direitos dos particulares necessitados de tutela no âmbito da relação administrativa em causa.
E esta ideia de se garantir, na sua plenitude, os direitos dos particulares necessitados de tutela vai mais longe, pois nos termos do artigo 51.º/4 CPTA, o tribunal deve convidar o particular a substituir o seu pedido,respeitando se o princípio do pedido, sempre que tenha intentado acção de estrita anulação contra um acto de indeferimento, dando-se novamente ênfase e preferência à acção de condenação.Assim, o particular deve ser convidado a fazer o pedido adequado, o código considera,então,que o objecto de apreciação jurisdicional, nos casos em que a administração se encontra vinculada a actuar de um modo favorável ao particular é o próprio direito do particular conduta devida.

No que diz respeito ao contéudo das sentenças das acções de condenação,importa ter em conta (no que se refere as situações em que a Administração tem de actuar ) que o contéudo decisório,apesar de exercido no seu âmbito discricionário, é submetido a controle jurisdicional. Apesar do tribunal não poder determinar o contéudo do acto a praticar(violar se ia o principio da separação de poderes) pode e deve explicitar as vinculações a que devem ser observadas pela Administração na emissão do acto devido,art.71 nº 2 CPTA.
Assim, é de prever que os contéudos das sentenças de condenação na prática do acto administrativo sejam muitissimo diferenciados, o Prof MÁRIO AROSO DE ALMEIDA considera os como "processos de geometria variável" .
Existem, para o professor Mário Aroso de Almeida, três modalidades de sentenças:
1. de condenação estrita: a Administração está vinculada, por lei, a proferir a sentença com um conteúdo determinado;
2. "redução da discricionaridade a zero": a lei confere, em abstracto, certos poderes à Administração, contudo, no caso concreto, tem de praticar um acto com um determinado conteúdo.
3. com conteúdo discricionário: a Administração pode praticar um qualquer acto, não estando sujeita a especificações quanto ao conteúdo do mesmo.
Já o professor Vasco Pereira da Silva considera existirem apenas duas modalidades de sentenças:
- de discricionaridade em sentido abstracto: a lei vincula a Administração à prática de um acto com um determinado conteúdo, tanto no que concerne à oportunidade, como ao modo de exercício,exercício de poderes vinculados;
- de discricionaridade em sentido concreto: a lei vincula a Administração à prática de um acto com um conteúdo relativamente indeterminado, já que embora as escolhas quanto ao caso concreto sejam da responsabilidade desta, o tribunal estabelece os elementos vinculados (competência, fim e princípios) a respeitar, e fornece orientações quanto aos critérios de decisão – artigo 71.º/2 CPTA. São, na verdade, denominadas sentenças "mistas", uma vez que combinam efeitos de natureza condenatória estrita (quanto à prática do acto e aos elementos vinculados), efeitos declarativos de simples apreciação (quanto aos elementos discricionários), e efeitos de apreciação conformadora e preventiva da actuação administrativa futura (pois ao delimitar as circunstâncias do caso em concreto, está também a fazê-lo, ainda que indirectamente, para os futuros casos de natureza semelhante).


Relativamente aos pressupostos processuais importa chamar á colação os art. 67, 68 e 69 do CPTA. É necessário averiguar quais os pressupostos para o pedido de condenação:
a) No caso de existência de uma omissão administrativa ou prática de acto de conteúdo negativo(artigo 67.ºa) CPTA) , é necessário que tenha havido um pedido do particular,apresentado ao órgão competente com o dever legal de decidir e que não tenha sido proferida decisão dentro do prazo estipulado.
Nestes casos consideravam se tacitamente indeferidas tais pretensões á luz do artigo 109 nº1 CPA,com vista, a permitir a sua impugnação contencioso, só essa "ficção legal" foi considerada desnecessária. O Prof Vasco Pereira da Silva, prossegue a posição do Prof Mário Aroso de Almeida, defendendo que o art. 109 nº1 do CPA deve entender se como tacitamente derrogado no que se refere á parte em que reconhece ao interessado a "faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação". A expressão deve ser entendida como se dissesse que a falta de decisão adminstrativa confere ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado.
Casos há, porém, em que a omissão equivale ao deferimento tácito do pedido do particular (artigo 108.º CPA), o qual é, igualmente, uma ficção legal. Será admissível a propositura de acção de condenação nestes casos?
Os professores Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, que consideram o deferimento tácito um acto administrativo que resulta de uma presunção legal, entendem que não, pois a produção do acto omitido já resulta da lei.
Já o professor Vasco Pereira da Silva não considera sequer o deferimento tácito como um acto administrativo,refere o como uma "ficção legal de efeitos positivos e assim aceita a possibilidade de pedido de condenação em pelo menos duas situações de deferimento tácito:
- No caso de deferimento tácito parcialmente desfavorável, isto é, quando formado nos termos da lei e não corresponder integralmente ao pedido do particular, permitindo a proposição de novos pedidos de condenação
- deferimento tácito apenas favorável relativamente a alguns dos sujeitos,mas não aos demais que se vêm confrontados com efeitos desfavoráveis, aquando de uma relação jurídica multilateral.
Em qualquer destes casos estamos perante uma omissão de acto administratio devido, em que se podem denotar efeitos positivos, decorrentes da ficção legal, mas também efeitos susceptíveis de serem configurados como desfavoráveis. Nestas Situações em que existem efeitos desfavoráveis, relativamente ao requerente ou a outros sujeitos da relação multilateral, o pedido adequado parece ser o da condenação em acção administrativa Especial.
 
b) acto administrativo desfavorável ou de conteúdo negativo (artigo 67.ºnº 1-b) e c) CPTA): diz respeito à denegação do alegado direito do particular, e pode advir tanto da recusa da prática do acto, como da recusa de apreciação do pedido, isto é, do requerimento.
 
c) O artigo 68.º CPTA refere se a regras de legitimidade quando estão em causa pedidos de condenação , e neste caso, são partes legitimas para os apresentar :

- sujeitos privados: os indivíduos e pessoas colectivas que aleguem a titularidade de um direito ou interesse legalmente admitido (artigo 68.º/1-a) e b) CPTA);
- sujeitos públicos: as pessoas colectivas mas também órgãos administrativos, uma vez que embora o preceito não o preveja, os órgãos são os verdadeiros sujeitos públicos em direito administrativo e, por outro lado, o artigo 10.º/4 CPTA entende que os pedidos dirigidos aos órgãos devem ser considerados como dirigidos às pessoas colectivas, pelo que, tal como entende o professor Vasco P. da Silva, não se vê qualquer sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio de relações inter-subjectivas e já não no âmbito das inter-orgânicas, então , deve valer tanto "para fora" como "para dentro" das pessoas colectivas. Assim sendo o artigo 68.ºnº1 b) deve ser interpretado à luz do artigo 10º, dando prevalência a factores de ordem material sobre os de natureza formal.
- Ministério Público (actor público): actua na defesa da legalidade e do interesse público, apenas quando tal advenha de um dever objectivo que resulte directamente da lei, pelo que só pode formular pedidos de condenação quando esteja em causa, ao abrigo do artigo 68.º/1-c), a ofensa de um direito fundamental de um interesse público especialmente relevante(tão relevantes que chega ao ponto de se permitir ao MP desenvolver mecanismos destinados a protecção de direitos subjectivos) ou de qualquer bem referido no artigo 9.º/2 CPTA.

No que se refere a compatibilidade do pressuposto processual da legitimidade do MP com os pressupostos relativos ao comportamento da Administração, o Prof Vasco Pereira da Silva considera que só é admissivel a intervenção do Ministério Público, quando tenha sido emitido um acto administrativo de contéudo negativo, mas já não nos casos em que estejamos perante uma qualquer omissão administrativa, visto que, de uma prespectiva objectiva, de defesa da legalidade e do interesse público, é mais grave a emissão de um acto administrativo ilegal do que a verificação de uma omissão de comportamento ilegal , do ponto de vista subjectivo , da protecção das posições de vantagem, a omissão pode ser tão ou mais relevante do que a actuação de contéudo negativo. Daqui resulta a necessidade de tratamento diferenciado consoante estamos perante uma acção para defesa de interesses proprios ou face a uma acção pública e da acção popular.
Já os professores Mário A. De Almeida e Vieira de Andrade admitem a legitimidade em ambos os casos, isto que o preceito circunscreve o poder de actuação do MP em que o dever de praticar o acto seja um dever objectivo sem dependência de apresentação de requerimento, nestes casos, então, o MP não tem de apresentar qualquer requerimento dirigido á prática do acto objectivamente devido nem de aguardar qualquer resposta para pedir a condenação da administração ao cumprimento do seu dever de agir.
No que diz respeito ao Actor popular, também este tem legitimidade para apresentação de pedidos de condenação á prática de acto devido de acordo com o artigo 68º/1-d), por remissão ao 9º/2 CPTA. Denota se a necessidade de conciliar as disposições atributivas de legitimidade relativas ao actor público e ao actor popular, neste sentido, o actor popular só deve actuar quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a tutela de direitos fundamentais ou de interesse público especialmente relevante. O actor popular só é considerado parte legitima quando estamos frente a frente com um acto administrativo de contéudo negativo e não quando estamos perante qualquer omissão administrativa.

O último dos pressupostos relativos á propositura da acção é a oportunidade do pedido (artigo 69.º CPTA) que nos refere que em caso de inércia da Administraçao, o prazo é de um ano a contar desde o termo do prazo para a emissão do acto ilegalmente omitido,art. 69.ºnº1, em caso de acto de conteúdo negativo, o prazo estabelecido é de três meses, contados da notificação do acto,art. 69.ºnº2 e 3. O decurso do prazo não produz qualquer efeito substantivo mas apenas efeitos processuais, uma vez que só diz respeito ao pedido formulado, não dando lugar à sanação da invalidade,isto porque, um acto que já não pode ser impugnado pode ainda ser apreciado pelo tribunal, a título incidental, num processo distinto (em acção administrativa comum, ainda que sem eficácia condenatória quanto à prática do acto), em que estejam em causa outros direitos,artigo 38º.

Impugnação de Actos Discricionarios da Administração


As normas externas distinguem-se das normas internas pelo facto de não conformarem directamente o conteúdo decisório do acto administrativo, ao contrário das internas.

As normas externas são normalmente instrumentais em relação aos interesses jurídicos materiais, e possuem especial importância na defesa e garantia dos interesses materiais dos particulares, na actividade administrativa não vinculada. É nesta medida que cabe analisar a questão, nos casos em que a Administração actua com discricionariedade.
.” Quando a Administração actua em termos vinculados no cumprimento estrito de uma disposição legal, podem ainda levantar-se importantes questões no âmbito da impugnação contenciosa, relativos à legitima possibilidade do particular impugnar uma decisão administrativa legalmente vinculada, sem com isso conseguir alterar a sua situação jurídica, invocando simplesmente a preterição de um dever procedimental, como o dever de fundamentação. O acto formalmente inválido pode ser impugnado, com legitimidade, pelo particular, pela violação do seu dever à fundamentação, mesmo que a sua situação real nunca possa ser alterada.” segundo Estêvão Nascimento da Cunha.
A Constituição exige a responsabilização do Estado quando existe uma violação de uma posição subjectiva, substancial ou instrumental. Mas quanto mais alta é a protecção das normas instrumentais, maior é a margem de livre decisão administrativa, e consequentemente, mais dificil é provar qual deveria ter sido a conduta adoptada pela Administração.
As normas externas são caracterizadas pela sua eficácia, que é obtida a partir do momento da emissão do acto, de acordo com a perspectiva do acto definitivo e executório. Esta definitividade deve ser vertical e horizontal. O art. 51º CPTA enquadra como critério a adoptar, a eficácia externa, que é material e horizontalmente definitiva, deixando de incluir a definitividade vertical. É assim, de acordo com esta perspectiva, que o acto dotado de eficácia externa, é susceptivel de lesar direitos subjectivos dos particulares. XXContudo, podem também ser impugnados actos que lesem direitos dos particulares, ainda que sem eficácia externa, de acordo com o art. 54º CPTA.)
Normas formais, como a que prevê o dever de fundamentação do acto admnistrativo, atribuem aos particulares posições jurídicas subjectivas instrumentais. A generalidade das normas externas contém garantias dos particulares face ao exercício do poder administrativo. Assim, as decisões destinam-se a dar conhecimento ao particular dos fundamentos mas também garantir uma ponderação efectiva, ainda que não exista discricionariedade decisória.
As normas externas, enquanto protectoras de interesses, tutelam de forma indirecta ou instrumental o particular. Existe então uma tutela instrumental na generalidade dos sectores da actividade administrativa.
Quando o particular tem uma pretenção e há violação de normas externas, normas de protecção, a ilicitude é instrumental. Mas se a pretenção for de oposição, há uma dupla ilicitude: instrumental por um lado, caso as normas externas violadas sejam normas de protecção; e material, pelo facto do acto configurar uma agressão ilegítima e legalmente infundada à posição jurídica subjectiva material e opositiva que já existia na esfera jurídica do particular.
Existe uma posição jurídica subjectiva contra qualquer forma de agressão. A ilicitude material nem depende do facto da norma violada constituir uma norma de protecção, mas pressupõe que essa violação seja consequência de uma nulidade ou anulação do acto. Esse acto não pode voltar a produzir efeitos, ao contrário da ilicitude instrumental, que prescinde da efectiva anulação do acto, de acordo com o art. 38º CPTA.
Ambas as ilicitudes inquinam o acto administrativo, e o seu conteúdo decisório. Nesta medida, não podemos afirmar que a falta de fundamentação afecta o direito do particular de perceber os motivos, que até podem ser claros, mas sim que o acto administrativo praticado viola o direito à fundamentação que o particular possui, por lei. "No nosso ordenamento a ilicitude faz parte da conduta lesiva, e não do resultado danoso." Pode até nem existir dano.
Nas situações em que há uma oposição, deve analisar-se a situação do particular como se o acto não tivesse sido praticado, Quando se requer uma pretenção, já temos de analisar qual teria sido o conteúdo da decisão sem a ilegalidade. Contudo, independentemente da procedência da acção, o particular tem sempre legitimidade para iniciar uma acção em que requer a apreciação da legalidade do acto.
Pode ainda analisar-se o comportamento lícito alternativo, que visa provar que a consequência se verificaria ainda que não houvesse violação de nenhuma norma, nomeadamente provando que aquele acto era vinculado, sem margem de discricionariedade. Ainda assim entendo que, no sentido de Estêvão Nascimento da Cunha, a "causa virtual é atribuivel ao próprio agente" e a "incidência da ilicitude é sobre a conduta e não sobre o resultado"
Assim, quando estamos perante situações pretensivas, o tribunal analisa de forma objectiva qual o sentido da decisão sem violação das normas, o que está ainda dentro da sua competência, não invadindo poderes próprios da administração.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A Acção Popular

O Procedimento de Acção Popular

A acção popular pode revestir qualquer das formas previstas no CPC, art. 12,nº2 da LAP. Pode assim recorrer-se a todos os tipos de acções previstas naquele código.
Carlos Diego de Souza Lobo Lobo configura o direito ao ambiente como um direito metaindividual, um direito de 3ª geração, é um direito subjectivo público, pois confere um dever-poder por parte do Estado. Tem um carácter positivo, pois pode levar à inconstitucionalidade por omissão, e tb negativo, quando há abstenção por parte do Estado ou terceiros de acções atentatórias aos direitos conferidos.
Alguma doutrina configura estes direitos como direitos difusos
Acção Popular como meio processual apto à tutela dos interesses metaindividuais, acções populares de massa ou acção popular de interesse difuso
É uma excepção à regra da legitimidade processual. É de aplicação excepcional e taxativa, só podendo ser exercida nos casos estabelecidos na lei.

É um direito de acção judicial, em que a legitimidade não é averiguada de modo concreto e casuístico, afastando-se da noção de interesse directo e pessoal, aferindo-se em termos gerais e abstractos, a partir da integração objectiva de certas qualidade, inserção em determinada categoria de indivíduos

O conceito de cidadão
“cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos” - O conceito de cidadão diverge do art. 4º CRP.
Atende-se à interpretação jurisprudencial, Ac. STA 2004 referente ao processo 01581/2003, de onde se conclui que: - o direito de acção popular radica no cidadão, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos. - basta a prova do recenseamento eleitoral para ser considerado um cidadão.
Não parece atendível, no nosso ordenamento, a necessidade de identificação da titularidade de legitimidade para a acção popular, bastaria, em termos gerais, a prova de que se é cidadão português.
Qualquer pessoa humana é titular de direitos, como os previstos nos artigos 67º CC; 12º e 30ºn.º4 CRP; 65ºCP.

A Legitimidade na Acção Popular

Unindo a noção de interesse individual que cada um possui em relação ao ambiente, à noção de interesses difusos colectivos, este tipo de interesses difusos, gera um problema de determinação da legitimidade processual.
Começamos então por defender uma interpretação alargada do art. 52ºnº3 da CRP, uma vez que a Acção Popular tende a alargar a legitimidade activa, em todos os processos a que se aplique.
A Acção Popular, como instituto democrático de intervenção directa, permite uma participação do cidadão no âmbito da actividade da Administração Pública, independentemente de ter ou não um interesse directo na demanda, art. 2º,n. 1 Lei 83/85.
Traduz-se num alargamento da legitimidade processual activa do art. 9º CPTA pela maior amplitude que o art. 2º da Lei 83/85, que no fundo concretiza o CPTA, e estabelece regras de aplicação a estes processos nos arts. 13º ss.
A legitimidade activa na Acção Popular pode então pertencer:
- Cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos;
- Associações e fundações, com personalidade jurídica, que tenham previsto nos seus estatutos a defesa do interesse em causa;
- As autarquias locais, relativamente aos interesses dos residentes na sua área de circunscrição.

O Ministério Público

O Ministério Público, como garante institucional da democracia e defensor da actuação legítima da administração, tem legitimidade activa para propor, por sua iniciativa ou a requerimento de um particular, recursos contenciosos de anulação de actos administrativos  46º2RSTA e 821º2 CA  69º ETAF
Figueiredo Dias - “O principal contributo da acção popular será o de ultrapassar as deficiências de uma tutela jurisdicional do ambiente baseada em concepções exclusivamente individualistas que conduzem, no esquema tradicional, a uma (mera protecção de interesses subjectivos bem delimitados)”
Outra especificidade é o facto do MP representar o Estado;  ausentes;  menores e incapazes, sendo eles autores ou réus, art. 16º Lei Acção Popular.
Pode ainda, no âmbito da fiscalização, tomar o lugar do autor da acção quando se verifique um comportamento lesivo dos interesses ambientais em causa.
A Acção popular é um importante meio de participação política do cidadão e pode ser utilizada para anular um acto administrativo comissivo ou omissivo, ainda que sem directa relação com o dano ambiental.



O Interesse na Acção

O titular da acção pode propô-la mesmo sem interesse directo na demanda. art. 2º L83/95; 45º2LBA não há uma vinculação a factores subjectivos ou materiais de relação directa com o facto. Em sentido contrário, Teixeira de Sousa, que entende que só tem legitimidade para demandar, quem tiver interesse nisso, quem tiver uma relação pessoal ou estatutária com o interesse difuso.
Entende-se, contudo, que, tendo em vista o direito que se visa tutelar, o direito do ambiente, não parcere fazer muito sentido vincular a legitimidade ao interesse da demanda, sob pena de ser impossivel determinar com certeza o grau do dano e quem afecta em concreto.

Indeferimento Liminar

Relativamente ao indeferimento liminar da petição, admite-se que se prescinda do despacho liminar, nos termos do art.234ºCPC, mas tem de haver sempre uma compatibilização das especificidades da acção popular com as regras gerais procedimentais. Assim, no silêncio da LAP quanto à apreciação dos pressupostos processuais, o juiz verifica e controla nos termos do processo em causa.
Há, no entanto, uma situação especial de indeferimento liminar, quando seja notória a improcedência daquela acção, art. 13º.
A citação é feita, tratando-se de interesses de toda a comunidade, pelos meios de comunicação social, ou através da afixação de éditos, estando em causa interesses geograficamente determinados.

Os Poderes do Juiz

Relativamente aos poderes do juiz, a LAP parece reforça-los ao nível da mediação e da intervenção, prevendo amplos poderes inquisitórios, art. 17º e 19ºnº1, e um papel de protagonismo na conciliação de interesses, art. 22º.
A indemnização decorrente da condenação prescreve dentro de três anos, revertendo esse valor para uma conta especial do Ministério da Justiça, dando origem a uma espécie de “fundo” especial que é depois afecto ao apoio ao acesso aos tribunais no âmbito da acção popular, art. 22ºnºs4 e 5 da LAP.




Regime especial de indeferimento da petição inicial:

O juiz pode indeferir quando entender que o pedido é manifestamente improcedente, por ausência de fumus boni iuris, sendo uma decisão sumária de mérito.
Apesar da acentuada importância que o legislador conferiu à Acção Popular de tutela de interesses “meta-individuais qualificados” foi mantida, pelo CPTA, a acção popular para o controlo da legalidade objectiva, no âmbito do contencioso autárquico, art. 55º, n.2, que não está vinculada à lesão ou ameaça de lesão, nem interesse materialmente qualificado, decorrente de norma ou acto administrativo.

O Caso Julgado

O caso julgado tem limites, começando pela não abrangência dos indivíduos que se auto-excluíram da acção, independentemente da sua procedência.
A eficácia geral da acção visa impedir que se proponha nova acção quando a presente não seja procedente, nomeadamente por insuficiência de prova.


Esta acção oferece, de facto, dificuldades de litigância. Em primeiro lugar não é uma  acção muito difundida,  e apresenta grandes dificuldades de sindicância, ao nível da prova, implicando conhecimentos  e cruzamento de informações de várias áreas.

O CPTA institui assim um sistema complexo de protecção de direitos fundamentais, através da subsidiariedade entre meios de tutela normais e intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
A lei de acção popular vem tentar compensar as insuficiências da tutela processual no contencioso administrativo, nomeadamente quanto à legitimidade processual activa.