sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sentença

Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa


Acção Especial para Impugnação de Acto Administrativo, e
Acção de Condenação à prática de Acto
Processo nº 258/9631

            João Àrrasquinha, identificado no auto em suporte de papel, veio ao abrigo do disposto no art. 2º, nº2 d) CPTA requerer a Impugnação de Acto Administrativo contra o Ministério Das Finanças e da Administração Pública pedindo que seja declarada a ilegalidade do acto administrativo que procedeu à redução salarial em 10% da remuneração do Autor, e cons4equentemente o ajuste do valor do seu ordenado. Vem ainda o Autor, ao abrigo do disposto do art. 4º e art. 47º CPTA cumular esta acção com a condenação à prática do acto devido, nos termos do art. 2º, nº2 e) com vista a impor à Entidade Demandada, Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicação e aos Contra-Interessados, Sobetão, S.A. à prática do acto devido, de suspensão da obra de construção do segundo Aeroporto de Lisboa, em Alcochete.
            Para tanto alegam, em síntese, que:
            - João Àrrasquinha é funcionário público do Estado e exerce a actividade de Estafeta do Ministério da Economia, recebendo mensalmente 500€, valor de referência aos meses anteriores a Maio.
            -Na sequência da celebração do Acordo Internacional, a 25 de Fevereiro de 2011, entre Portugal, o FMI, BCE e o FUE, houve uma imposição ao Governo Português de várias medidas de redução orçamental. O Governo, por Resolução do Conselho de Ministros de 2 de Março de 2011 veio impor a redução de 10% dos ordenados dos funcionários públicos, que aufiram uma retribuição superior ao salário mínimo nacional, e ainda a suspensão das obras do Aeroporto de Alcochete. Ainda na Resolução em causa ficou definido que ambas as medidas ficariam dependentes de uma Portaria a ser emitida posteriormente pelos Ministérios e Ministros competentes das áreas em causa.
            -Consideram, portanto o Autor que o acto de redução do respectivo salário é ilegal pois a Portaria referida supra nunca chegou a ser emitida pelo Ministério do Trabalho, posteriormente à Resolução de 2 de Março. Logo existe violação do principio legal a que o processo administrativo esta adstrito, violação dos arts. 3º nº1 CPA, art. 266º nº2, art, 59 nº1 a), art.19º nº1 CRP, lei 23/98 de 26 de Maio art.1º nº1 e art.470º CT.
            -Relativamente ao pedido da suspensão das construções do Aeroporto de Alcochete vem o referido Autor alegar que a 16 de Março foi emitida pelo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações uma portaria que impunha a suspensão imediata das obras no respectivo aeroporto, contudo o Francisco Espertalhão, filho de João Àrrasquinha toma conhecimento, pelos meios da comunicação social, que a construção do Aeroporto continuava em execução e que por consequência encontra-se a referida construção a violar a Portaria emitida pelo Ministro das Obras Públicas, e requerem que tendo em vista o acordo celebrado entre Portugal e o FMI que este seja cumprido, assim como a Portaria de 16 de Março.


            Notificado para o efeito, a Entidade Demandada respondeu por excepção, invocando que o pedido de declaração de nulidade da redução salarial era ininteligível nos termos do art. 193º nº2 a) CPC, tal constituindo fundamento de nulidade de todo o processo nos termos do art. 193º nº 1 CPC, como consequência haveria a anulação de todo o processo posterior à petição, art. 194º CPC, tal sendo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, art. 495 CPC e tendo em conta a natureza do regime seria uma excepção que levaria à nulidade de todo o processo, art. 494 b).
            -O Réu vem alegar que a redução salarial aplica-se apenas às retribuições superiores ao salário mínimo, tal como seria o caso de João Àrrasquinha, o que tal levou mesmo à referida redução tendo como fundamento a grave crise económica do país e que a redução em 10% no salário não era susceptível de gerar uma grave carência económica. Ainda tratando-se do salário de um direito nos termos do art. 59ª nº1 a) CRP seria susceptível de haver a sua restrição tendo em conta o art. 18º nº2 CRP, não estando em causa o art. 19º CRP . A redução salarial não violaria portanto o art. 59 nº1 a) CRP estando respeitado o art. 18º nº3 CRP, e também todo o processo de emissão da Portaria após a resolução do Conselho de Ministros, não havendo violação do art. 56º nº2 CRP e art. 470º CT.
            -Foi ainda dado como impugnação que a Portaria a ser emitida pelo Ministério do Trabalho tinha de facto sido emitida, Portaria nº 734/2011 e que em relação à noticia divulgada na comunicação social esta seria falsa pois estavam em causa apenas obras de conservação e de limpeza havendo um Relatório do Ministro das Obras Públicas a confirmar esses factos, não havendo violação assim do art. 66º nº1 CPTA. É ainda invocada pelo Réu a inadmissibilidade da cumulação de pedidos em violação dos arts. 47º e 4º nº1 CPTA, e como consequência dessa falta de pressupostos haveria a absolvição da instância nos termos do art. 4º nº3 e 47º nº 5 CPTA.


            Apreciando.

            Atendendo à cumulação de pedidos, resulta do principio da livre cumulabilidade de pedidos, art. 4º e art. 47º CPTA que diferentes tipos de pretensões podem ser deduzidos perante os tribunais administrativos desde que exista uma conexão entre os pedidos deduzidos , resultante do facto de a respectiva causa de pedir ser a mesma e única e os pedidos estarem numa relação de prejudicialidade e dependência, ou ainda de procedência dos pedidos depender da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas, art 4º e 47º CPTA. Na presente causa estamos perante a cumulação de um pedido de impugnação de acto administrativo, que determina a redução salarial, e perante também um pedido de  condenação à pratica de acto devido, de impor a suspensão dos trabalhos de construção no aeroporto de Alcochete. Os dois pedidos não se encontram numa relação de prejudicialidade, nem de dependência, art 47º nº4 a) e art. 4º nº1 a) CPTA, nem a sua validade pode ser verificada com base na apreciação dos mesmos factos e fundamentos de direito do art. 47º nº 4 b) e art. 4 nº1 b) CPTA. A cumulação é portanto ilegal existindo uma excepção dilatória.

            Notificado o autor para escolherem a acção que desejam ver apreciada pelo Tribunal, este manifestou querer que a acção que procedesse fosse a da impugnação do acto administrativo. Com a referida escolha não existe outra possibilidade se não absolver o Réu da instância relativo ao pedido de prática de acto devido, bem como a consequente absolvição dos Contra-Interessados, Sobetão, SA.


            Atendendo, então, ao alegado pelas partes, aos documentos juntos aos autos, bem como à audição das testemunhas apresentadas em sede de Audiência de Julgamento, consideram-se assentes por relevantes à decisão a proferir os seguintes factos.

1.      António é estafeta no Ministério da Economia e aufere mensalmente a título de retribuição 500€

2.      A redução de 10% de todas as remunerações de funcionários públicos que aufiram retribuição superior ao ordenado mínimo nacional, fixado em 485€

3.      O Autor viu o seu ordenado reduzido, a 22 de Abril sendo o salário referente a Maio, 50€ aplicando a redução de 10%, correspondendo o seu novo vencimento mensal a um valor de 450€ mês, valor inferior ao ordenado mínimo nacional fixado em 485€.

4.      O procedimento relativo à legislação de trabalho foi verificado, visto que as entidades referidas na lei nº23/98 de 26 de Maio e art. 470º CT foram ouvidas por confirmação do Alto Representante do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Centro.

5.      As despesas correntes do Autor João Àrrasquinha nunca serão inferiores a 450€ tendo em conta a renda de casa, alimentação e medicamentos.

O artigo 2º nº2 do CPTA permite o recurso à acção principal e autónoma de Impugnação de Acto Administrativo, assim no presente caso aduzem os factos que indicam que se trata de uma situação que permite o acesso a este tipo de acção, reivindicando uma decisão de mérito.
Com efeito, resultando da factualidade assente na promulgação da Resolução de Conselho de Ministros e da Portaria 734/2011, pode-se considerar a acção como meio processual adequado para a salvaguarda do princípio consagrado no art.59º CRP. Em termos de justiça é tradicional a defesa de um salário justo para o trabalhador, cujo valor não resulte apenas do mercado, mas antes permita assegurar uma existência condigna, esse princípio encontra-se estabelecido em vários instrumentos internacionais. Assim, o art. 23º nº3 DUDH inclui entre os direitos humanos o direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, permitindo uma existência conforme com a dignidade humana. Por esse motivo, o art. %9º nº1 CRP determina que o trabalho deve ser retribuído segundo a quantidade, natureza e  qualidade de forma a garantir uma existência condigna. Este comando vem a ser reiterado no art. 270 CT, sendo o direito a uma existência condigna assegurado através da retribuição mínima garantida, que é emitida  pelo Governo. A doutrina refere, como fundamentos para a imposição de  uma retribuição mínima garantida o respeito por um modo de vida digno e sadio e, o próprio Governo com a imposição de um valor mínimo vem, implicitamente, determinar que atendendo às crescentes necessidades dos trabalhadores, o aumento progressivo do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação de desenvolvimento que a imposição de um valor equitativamente equilibrado seria o valor de 485€.
O respeito por este valor imposto não se verifica, pois apesar de inicialmente o Autor auferir um rendimento superior ao ordenado mínimo nacional, após a referida redução de 50€, o Autor passa a receber um valor inferior ao salário mínimo imposto legalmente. Assim, este acto para além de ilegal é também inconstitucional por violar o mínimo imposto como retribuição. No âmbito do princípio da discricionariedade a Administração tem a liberdade de nos limites impostos pelo Governo, fixar o valor mais adequado, contudo existe um limite máximo para essa discricionariedade, e esse limite é imposto pelo salário mínimo nacional. Assim, a redução do salário de João Àrrasquinha pode ser reduzido ate ao limite mínimo de 485€, a partir desse limite a Administração já não pode baixar mais. Fixando a Administração um valor dentro dos limites legais não pode o Tribunal apreciar o mérito da sua decisão, o Tribunal apenas pode apreciar se o acto extravasa os limites legais. No referido caso, houve um limite que foi ultrapassado e nessa medida o Tribunal decide a favor do Autor e impugna o acto da Administração por violar o mínimo legal permitido

Decisão

Termos pelos quais se decide absolverem a Entidade Demanda e os Contra-Interessados, a Sobetão, SA em relação ao pedido de Prática do Acto Devido.
 E decide o Tribunal a favor do Autor na Impugnação do Acto da Administração por haver fundada ilegalidade na prática do mesmo por não respeitar os limites mínimos de retribuição impostos pelo Governo.




Registe e notifique pela via mais expedita
Lisboa, 25 de Maio de 2011
Os Juízes de Direito
                    Ana Vieira         Joana Gabriel        Joana Calado         Luís Ferreira