quarta-feira, 13 de abril de 2011

Impugnação de actos administrativos

O art. 212º/3 CRP confina aos tribunais administrativos o julgamento dos processos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas. É uma cláusula geral através da qual se define o âmbito material do exercício da função jurisdicional através da ordem jurisdicional administrativa. O acto administrativo é um tópico de densificação dessa cláusula geral. Com a revisão de 1997, o art. 268º/4 CRP refere-se ao acto administrativo a par da impugnação de quaisquer actos administrativos e da determinação à prática de actos legalmente devidos. Deste modo, o acto administrativo surge configurado também ele como uma cláusula geral de determinação parcial do âmbito da jurisdição administrativa. Mas a cláusula geral de acto administrativo insere-se numa outra cláusula geral mais ampla, que é a de relações jurídicas administrativas.
Através do acto administrativo chega-se à relação jurídica administrativa, assim se podendo concluir pela pertença do litígio à jurisdição administrativa. Verifica-se uma interacção entre uma realidade procedimental e uma realidade substantiva: a partir do momento em que o acto administrativo cruza a relação jurídica administrativa, as duas realidades tornam-se indissociáveis.
O âmbito de jurisdição administrativa deve ser conjugado com o princípio da separação de poderes: para que se cumpra o objectivo, o tribunal não pode substituir-se à AP nem controlar o mérito das suas actuações, mas nada impede o Tribunal de actuar “a montante” do acto, através da condenação à prática do acto legalmente devido, e “a jusante”, através do recurso contencioso de anulação.
Uma última nota importante: a perspectiva da abertura de um processo administrativo apenas após o encerramento do procedimento está longe da realidade mais comum. Hoje, assiste-se a uma multiplicação de actos administrativos que servem de elemento de conexão entre o procedimento e o processo e que não são actos conclusivos da fase decisória do procedimento. Exemplos: é permitida a impugnabilidade de todos os actos horizontalmente não definitivos mas lesivos; o caso de execução de julgados.

A função de impugnação de actos administrativos é a do controlo da sua invalidade. Este meio serve para obter a declaração de nulidade/inexistência (sentenças declarativas) ou anulação (sentenças constitutivas) de actos administrativos.

            Com a Reforma de 2004, foi eliminada a exigência de esgotamento prévio das garantias administrativas como condição necessária de acesso aos tribunais: é possível impugnar desde logo os actos sem prévio recurso hierárquico necessário.       

O acto administrativo impugnável é um pressuposto processual específico da AAE.

            Conceito de acto impugnável: à partida, serão impugnáveis todos os actos (decisões) administrativos materiais (120º CPA) de autoridade (hoje, foi ultrapassado o conceito de Administração Agressiva que emite actos de autoridade, para dar lugar a um contencioso que tem por objecto o controlo de toda a função administrativa), que visem produzir efeitos numa situação individual e concreta, independentemente da sua forma. Serão inimpugnáveis, por exemplo, os pareceres (excepto vinculativos), as operações materiais de execução, informações, avisos, etc.

            Nem todos os actos administrativos são, porém, impugnáveis:
à por um lado, o acto impugnável não depende da qualidade administrativa do seu autor; pode ser impugnada uma decisão tomada por entidade privada que exerça funções públicas e pode ser impugnado um acto emitido por uma entidade não integrada na AP – 51º/2 CPTA. (Este preceito refere ainda que são impugnáveis actos de execução.)
à por outro lado, só são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, em especial, os actos cujo conteúdo é susceptível de lesar direitos e interesses legalmente protegidos – 51º/1 CPTA. Actos com eficácia externa são os que produzem ou constituem efeitos nas relações jurídicas administrativas externas (entre particulares), independentemente da respectiva eficácia concreta. Podem tratar-se de actos inseridos num procedimento em que produzem efeitos externos de modo autónomo ao acto principal ou de actos que integrem um subprocedimento (actos prévios).
            Assim, os actos administrativos impugnáveis são hoje uma realidade muito ampla, que abrange tanto as decisões finais que criam efeitos jurídicos novos, como actuações imediatamente lesivas dos direitos dos particulares, tais como os actos intermédios, as decisões preliminares ou simples actos de execução. A noção de impugnabilidade está hoje alargada e a faculdade de impugnação está incluída no direito fundamental de acesso à justiça administrativa (268º/4 CRP).

            E serão impugnáveis as decisões preliminares (pré-decisões, pareceres vinculativos, actos pré-contratuais…) que determinem a decisão final de um procedimento, mas que não constituem efeitos externos? É possível sustentar a sua impugnabilidade com base numa ideia de ‘defesa antecipada’, porque são prováveis de causar lesões nos direitos dos particulares.

            Há que esclarecer também que são impugnáveis os actos procedimentais e não apenas as decisões finais. E se eles não forem impugnados desde logo, não se preclude a hipótese de ser impugnada a decisão final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento – 51º/3.



Casos Especiais:

1.       Acto meramente confirmativo » estes actos meramente confirmativos são desprovidos de efeitos jurídicos novos e não gozam de uma definitividade material. O conceito de acto confirmativo foi elaborado com a finalidade de evitar que se reabrissem constantemente litígios, através de requerimentos sucessivos, de molde a respeitar a estabilidade e segurança jurídicas. Manifestação dessa exigência de estabilidade é o 9º/2 CPA. Mas o art. 53º CPTA apenas rejeita a impugnação de acto confirmativo nos casos indicados, sendo a regra a de que estes actos são também impugnáveis.

2.       Acto ineficaz » o art. 54º CPTA permite a impugnação de actos ainda não eficazes em duas hipóteses: quando tenha havido início de execução + quando seja muito provável que o acto vá produzir efeitos.

3.       Acto de indeferimento expresso » quando se trate de actos de pura recusa é preferível a via da condenação à prática do acto legalmente devido. Daí que o art. 51º/4 convide o autor a substituir o pedido quando se trate de anulação. Os arts. 51º/4 e 66º/2 mostram que quando o acto devido foi objecto de uma recusa expressa, o tribunal pronuncia-se no sentido de impor a substituição pelo acto devido. Pelo contrário, não restam dúvidas de que são impugnáveis os actos de indeferimento tácito ou parcial, os actos que têm um conteúdo ambivalente (o acto introduziu uma modificação a favor de terceiro, em detrimento das pretensões do interessado), em que o indeferimento é um efeito indirecto dos mesmos e os actos concludentes.

Atenção: O 51º/1 dá a entender que o critério mais amplo é o da eficácia externa, sendo o carácter lesivo de direitos uma mera especificação. Mas do que se trata são de dois critérios autónomos. Aliás, prevê-se a impugnação de actos desprovidos de eficácia externa, desde que lesivos (54º).

Ana Catarina Correia
Subturma 8
nº 17117

BIBLIOGRAFIA:
- Viera de Andrade, Justiça Administrativa, Almedina, 2007, pp. 203 e ss.
- Freitas Amaral/Mário Aroso de Almeida, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 67 e ss.
- Vasco Pereira da Silva, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009, pp. 318 e ss.
- Sérvulo Correia, "Impugnação de actos administrativos", in Justiça Administrativa, nº 16, Julho/Agosto 1999.

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