domingo, 10 de abril de 2011

Uma História de Canibalismo: Pode o Direito Administrativo consumir o Direito Constitucional?


Saturno Devorando o Seu Filho - Rubens 
O líquen é um ser vivo que se pode facilmente encontrar na natureza. Abrangendo este ser uma variada gama de cores e feitios, é sem dificuldade que o identificamos nas telhas, nas quais a sua cor amarela e forma circular se evidenciam. O líquen resulta da simbiose agressiva entre um fungo e uma alga, os quais apenas em conjunto conseguem sobreviver a um ambiente que lhes é hostil. Da mesma forma que o líquen é uma relação entre organismos diferentes, também a Norma Constitucional e a Norma Administrativa se relacionam intimamente proporcionando uma a sobrevivência da outra.

No entanto, esta ideia de dependência reciproca pode ser encarada como redutora. Otto Mayer afirma que o “Direito Administrativo fica e o Direito Constitucional passa”, frase que exemplifica a imutabilidade (poder-se-á até dizer, em certa medida, neofobia!) da Administração, que se reflecte na dificuldade de o Estado em evoluir e corrigir comportamentos, e na dificuldade da Administração em se adaptar a novos imperativos Constitucionais. É também redutor afirmar que o Direito Administrativo advém do Direito Constitucional por mera incorporação da lógica orgânica postulada por Hans Kelsen, ideia esta que a ser seguida com tanta simplicidade, nada mais manifestaria do que a convicção doutrinária de que o Direito Administrativo apenas é Direito Constitucional concretizado. Relevantes para a compreensão desta questão, são as opiniões antagónicas de Vedel e Eisenman. Vedel afirma que a função administrativa não pode ser um fim em si mesmo, devendo ter por base a Constituição e respectiva matriz em que se insere. Discordando de Vedel, Eisenman defende que estamos apenas perante a expressão real da pirâmide invertida Kelseniana, encabeçada pela Norma Constitucional. Posteriormente, como Vedel bem exemplifica, a própria expressão “bases” utilizada na lei, ajuda a reconduzir os fundamentos da realidade administrativa na Constituição. Bem se vê então que a Administração se encontra enquadrada pelo Principio da Legalidade, sendo a lei que a configura, a mais solene de todas, a Constitucional.

Aqui chegados, é ponto assente de que o Direito Administrativo é Direito Constitucional concretizado (não só pelas razões formalistas de Eisenman!). Cabe então à Administração actuar com o objectivo de por em prática a própria Constituição, de a executar de forma continuada, permanente e substancial, na tentativa de que a materialidade da norma se efective. Com esta realidade em vista tem-se entendido que o Direito Constitucional e o Direito Administrativo se confundem num só ramo de Direito – afirmação por certo arriscada, mas que se pensa ser a correcta -, numa só linha de actuação continua, estável, tendente à prossecução dos fins de política estatal presente na Lei Fundamental.

E porquê esta afirmação? É sem dúvida alguma o Contencioso Administrativo o espaço por excelência onde se dirimem questões que se prendem com a aplicação desde logo dos Direitos Fundamentais, Direitos estes que sendo o alicerce, posteriormente se subdividem em preceitos por eles impregnados que fazem a ponte entre o Administrado e a Administração, através de regras substantivas que visam proteger e assegurar a tutela plena e efectiva do Cidadão. Com o objectivo de tornar esta orientação algo palpável, Häberele bate-se pela criação e aceitação de um estatuto que permita ao Cidadão, que orbita na responsabilidade prestadora do Estado, actuar contra este, sempre que os seus Direitos Fundamentais perigarem (o status activus processualis, a integrar no mais vasto e meramente jurídico-material status activus). Com este estatuto, o qual possibilita a operatividade da Norma Fundamental, independente da sua origem ou vocação, dota-se o Administrado de uma das mais poderosas armas contra a arbitrariedade do Colosso estatal.

Estando então perante a Santíssima Trindade (Direito Constitucional, Direito Administrativo e Contencioso Administrativo), deslindamos dois novos (e talvez os mais poderosos) actores na realização dos Direitos Fundamentais, a Administração e os Tribunais, que juntamente com o tradicional actor – o Legislador – visam a materialização desses mesmos direitos na esfera do Cidadão.

Respondendo então ao título deste post, podemos concluir que o Direito Administrativo se apoderou do Direito Constitucional de forma a torna-lo efectivo e realizável, caso contrário, seria um mero postulado formal, férreo e inflexível, não podendo nunca chegar ao Privado. Quando tal vocação da Administração não acontece, cabe então ao Tribunal actuar no interesse do Cidadão, cumprido a Constituição. Assim dito, da mesma forma que se deve interpretar a norma Administrativa no sentido da Constituição, deve-se interpretar a Norma Constitucional conforme aos Principios de Direito Administrativo.

Carlos Miguel Vaz Serra
nº15811
Subturma 8

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