terça-feira, 29 de março de 2011

“Admitir que o tribunal condena a administração seria claramente uma violação do princípio da separação de poderes.”

O presente comentário não começará com uma síntese ideológica sobre o princípio da separação de poderes que poderia começar com Aristóteles (“Politica”), passar por John Lock (“ two treatises of governmente”) e por Montesquieu, entre muitos outros. Também não nos debruçaremos sobre a sua evolução histórica no direito português. No comentário desta frase pretendemos tão só fazer umas breves reflexões à luz do actual Direito. 
            Desde logo nos surge o problema de saber o que se entende por separação de poderes.
Vendo o Estado em si mesmo como um poder único, o princípio da separação de poderes deve impor a esse mesmo Estado o respeito pelos direitos fundamentais dos seus cidadãos. E é ao Estado que cabe assegurar essa liberdade. De acordo com o artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, “ qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação de poderes, não tem Constituição. Ultrapassando o ideário liberal em que se vislumbrava uma separação de poderes rígida (e aqui já estaremos a pecar por introduzir elementos históricos), esta deve ser vista de uma forma mais harmónica, assegurando uma vivencia mais equilibrada entre os vários poderes (a saber: legislativo, administrativo e jurisdicional).
            Seguindo Gomes Canotilho diremos que é confiado a cada órgão soberano uma função materialmente distinta, sendo que, não pode a nenhum desses órgãos, sob pena de violação do principio da separação de poderes, ser atribuída função que implique esvaziamento do núcleo essencial material do outro.
            Interessa-nos agora distinguir as duas funções que aqui estão em causa: função administrativa e função jurisdicional. Para Jorge Miranda, enquanto a primeira prossegue o interesse público correspondente às necessidades colectivas prescritas em lei, a segunda define o direito em concreto.
            No confronto entre ambas as funções, cujo princípio lhes é aplicável (art. 3º e 71º CPTA), a função jurisdicional deve ser expressão da legalidade democrática, deve a essa luz resolver os problemas entre interesse público e privado e tem a importante função de defender os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. No fundo os tribunais podem “imiscuir-se” na função administrativa quando esteja em causa a legalidade democrática, sem que isso viole o princípio da separação de poderes.
            Mas então e o “espaço de liberdade de actuação administrativa conferida por lei e limitada pelo bloco de legalidade” (definição de margem de livre decisão segundo Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos)? De facto os tribunais não podem fiscalizar o mérito da acção administrativa: a isto se chama reserva de administração (art. 71º/2 CPTA). Contudo a margem de livre decisão não é imune a “agressões” da função jurisdicional. Isto porque também esta sujeita a limitações. Primeiramente surgem a limitações legais a que está sujeita a administração. Outro limite é a redução a zero da margem de livre apreciação, que apenas faz surgir uma decisão juridicamente admissível., por fim temos os limites imanentes, estando aqui a força jurídica dos princípios de actuação administrativa (art. 266º CRP e art. 71º CPTA).
            Concluímos no sentido de que os tribunais são competentes para garantir a legalidade das decisões administrativas. Não podem, contudo, violar a reserva de administração, fazendo o seu papel. Mas a separação não é absoluta e a própria margem de livre apreciação está também ela sujeita a limites.

Pedro Nascimento  nº17817

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