quinta-feira, 24 de março de 2011

"Admitir que um Tribunal condena a Administração seria claramente uma violação do Principio da Separação de Poderes"

Com a Revolução Francesa, em 1789, podemos dizer que “explodiu” como movimento irreversível o Liberalismo, sendo este um sistema político-económico baseado na defesa da liberdade individual e no chamado Estado de Direito, que luta contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal. Com o advento do Liberalismo muitos outros princípios, ainda hoje considerados como fundamentais na maioria dos Estados , foram surgindo e implementados, como é o caso do Principio da Separação de Poderes, desenvolvido por Montesquieu, no livro O Espírito das Leis (1748).
A separação entre os poderes públicos exige que os cidadãos possam aceder aos tribunais para obter reparação contra as lesões que sofram ou possam vir a sofrer nos seus direitos. Exige, também, o funcionamento de tribunais independentes e imparciais para administrar a justiça (o chamado poder judicial), um poder com a missão primordial de fazer leis (o denominado poder legislativo) e, por último, um poder com a missão de executar as leis e satisfazer interesses públicos (o poder administrativo).
Seguindo este princípio, se a Administração, que intervém nos mais variados domínios, com vista à satisfação dos importantes interesses públicos e prosseguindo-os tal como são definidos por lei e de acordo com esta, se ao exercer a sua actividade, actuar arbitrariamente violando os direitos ou interesses dos cidadãos ou a não prosseguir o interesse público, encontramos aqui o fundamento de um conflito, um conflito entre um particular e um poder público dotado de poderes próprios. Acresce ainda que o princípio da separação dos poderes manda os tribunais julgar, mas impede-os de administrar e assim não lhes permite invadir o terreno privado da função administrativa. É, então, necessário encontrar soluções equilibradas, soluções estas que acima de tudo respeitem o princípio da separação de poderes. Esta é uma questão difícil de resolver e tem a sua pedra de toque na execução das sentenças dos tribunais administrativos, uma vez que se for necessário impor a forca para fazer valer uma decisão judicial contra a Administração é necessário utilizar os meios da Administração contra ela própria.
Nos termos expostos, coloca-se agora a inicial questão de saber se perante a condenação para a prática de um acto à Administração Pública feita por um Tribunal, investido com o poder judicial, há de facto, ou não, uma violação do Principio da Separação de Poderes. Nesta questão, o Prof. Duarte Amorim Pereira, assume uma posição, fundada no artigo 268.º, número 4, in fine da CRP, de que condenar a Administração à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo que se consubstancie numa ilegal recusa ou omissão de uma pretensão formulada pelo particular. Neste caso, portanto, ainda que o requerimento do particular não tenha obtido qualquer resposta junto do órgão administrativo ou tenha merecido despacho de indeferimento expresso, o tribunal não se limita a devolver a questão ao referido órgão, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual acto de indeferimento, antes se pronuncia efectivamente sobre a pretensão material do requerente interessado, impondo a prática do acto devido – conferir artigos 66.º e 71.º do CPTA”. Importa, porém, ressalvar que o Tribunal não assume o papel da Administração Pública, o Tribunal não se pode subsumir a tomar a decisão que foi legalmente atribuída à Administração, o Tribunal apenas pode, analisando os limites legais e os princípios gerais e específicos da actividade administrativa concluir acerca da validade/invalidade, da legalidade/ilegalidade do acto administrativo praticado, sob pena de aí, sim, estar em causa uma violação directo do princípio da Separação de Poderes.
A posição aqui assumida e defendida vai, ainda, de encontro à posição do Tribunal Central Administrativo do Norte, assumida no Acórdão de 01/10/ 2010 que passo a citar: “O princípio da divisão ou da separação de poderes não implica hoje uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração. Tal princípio implica tão-só uma proibição funcional do juiz afectar a essência do sistema de administração executiva, ou seja, não pode ofender a autonomia do poder administrativo [o núcleo essencial da sua discricionariedade], enquanto medida definida pela lei daquilo que são os poderes próprios de apreciação ou decisão conferidos aos órgãos da Administração. Os poderes dos tribunais administrativos abarcam apenas as vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, ficando de fora da sua esfera de sindicabilidade o ajuizar sobre a conveniência e oportunidade da actuação da Administração, mormente o controlo actuação ao abrigo de regras técnicas ou as escolhas/opções feitas pela mesma na e para a prossecução do interesse público, salvo ofensa dos princípios jurídicos enunciados no art. 266.º, n.º 2 da CRP (…)”.
Podemos assim concluir, após esta breve exposição que o princípio da Separação de Poderes não se encontra, nesta sede, violado, mas sim respeitado. Só nos deparamos com uma efectiva violação deste principio quando o Tribunal retira à Administração toda e qualquer margem de actuação, subsumindo-se-lhe nas suas funções de prossecução do interesse publico, e não tutelando outro direito igualmente constitucionalmente garantido dos particulares que é o direito de tutela dos seus direitos.

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