segunda-feira, 28 de março de 2011

Os Limites à Plena Jurisdição dos Tribunais Administrativos

A Reforma Administrativa de 2004 altera substancialmente o modelo legal num sentido subjectivista, embora com alguns resquícios de um modelo objectivista.

O modelo objectivista, ou de tipo francês, consiste num contencioso com uma função virada para a defesa da legalidade e do interesse público, pelo que os tribunais limitam-se apenas a declarar a invalidade dos actos praticados – Contencioso de Mera Anulação. Esta visão limitada da actuação jurisdicional deve-se a uma interpretação muito restritiva do Princípio da Separação de Poderes, onde se considerava que “Julgar a Administração é ainda administrar”, pelo que o tribunal não poderia condenar a administração a praticar determinado acto com certo conteúdo pois estaria a usurpar o seu poder. Uma sentença de condenação à prática de certo acto não só era vista como uma usurpação de poderes, mas também como uma perversão da hierarquia administrativa, pois seria um órgão administrativo (Tribunal Administrativo) a dar ordens, através da sentença, ao seu superior hierárquico, o Ministro.

O modelo subjectivista, ou de tipo alemão, consagra o Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, em que os tribunais têm amplos poderes decisórios sobre a Administração. Este modelo altera substancialmente a visão pervertida do princípio da separação de poderes, interpretando este princípio como um princípio de equilíbrio, que não exclui a colaboração e interdependência entre os poderes, mas sim promove-a, garantindo uma melhor fiscalização dos poderes.

A evolução do modelo objectivista para o subjectivista veio consagrar então a plena jurisdição dos tribunais administrativos, plasmado no art.º2/1 do CPTA. O artigo chega mesmo a elencar os diversos conteúdos das pretensões possíveis para marcar a diferença em relação ao regime anterior onde só eram permitidas sentenças de anulação.

Apesar de se falar em tutela jurisdicional efectiva, o que parece abranger todo e qualquer tipo de resolução de controvérsias emergentes da relações jurídicas administrativas, esta tutela apenas abrange “questões de direito”. A função jurisdicional administrativa está então funcionalmente limitada aos litígios que levantem questões jurídicas. CASTANHEIRA NEVES caracteriza a função jurisdicional como a procura dos “fundamentos” do “valor”, do “justo”; enquanto que a função administrativa procura a melhor solução, o melhor efeito ou sentido útil, são as chamadas questões de mérito.

A actividade jurisdicional dos Tribunais Administrativos está condicionada pelas limitações funcionais decorrentes do seu exercício, que envolve um juízo sobre a legitimidade de exercício de um outro poder público – Poder Executivo. O Princípio da Separação de Poderes implica, naturalmente, algumas limitações ao poder jurisdicional, de modo a evitar que este se substitua à Administração, e era exactamente por isso que, tradicionalmente, se afirmava que a jurisdição administrativa era, por natureza, uma jurisdição limitada.

Resta saber se, face ao novo regime de plena jurisdição da justiça administrativa, é ainda possível ver alguma fragilidade dos tribunais perante o poder administrativo, sendo essa a questão central que pretendo tratar.

A eficácia da protecção jurisdicional administrativa está limitada pela distinção funcional entre decidir e fiscalizar, pois enquanto esta última consiste apenas em controlar uma competência alheia, a primeira implica uma valoração mais ou menos livre, consoante a indeterminação conceitual da norma a aplicar.

A função de decidir implica um maior conhecimento da situação em causa, uma ponderação entre as alternativas e a escolha da melhor opção, da opção que melhor atinja o sentido útil da norma. A função de fiscalizar, feita por um 2º interprete, implica a análise da situação em abstracto, submetendo a decisão a testes de jurisdicidade, podendo condenar a Administração à prática de novo acto apenas quando o primeiro incumpra princípios reguladores da decisão, e mesmo neste caso, pode apenas aconselhar e indicar as opções que respeitem os princípios jurídicos, cabendo a escolha da melhor opção à Administração, sendo a única excepção as situações em que haja apenas uma escolha que respeite os princípios.

Esta limitação da sentença, na abstenção por parte do Juiz em decidir qual o conteúdo do acto a praticar, é outro limite funcional – o autocontrolo do juiz perante a reserva de discricionaridade na Administração.

O Tribunal Administrativo está então limitado apenas a fiscalizar o cumprimento de normas e princípios jurídicos vinculativos da Administração e não a conveniência ou oportunidade do acto, como consagra o art.º3 do CPTA.
Antigamente também existiam limites funcionais da justiça administrativa e dos poderes de decisão do juiz, pois este só podia anular o acto, não podendo, como agora, exercer plenamente o seu poder de jurisdição através de condenações ou injunções contra a Administração. Estes limites funcionais – mera anulação do acto – foram totalmente ultrapassados com a Reforma de 2004. 

A Reforma de 2004 eliminou os limites ao poder de jurisdição administrativo, através do princípio da tutela jurisdicional efectiva, no entanto, ainda que o nome do princípio o pareça indicar, esta tutela não é absoluta, continua a estar limitada.

Actualmente o juiz pode decidir todos os pedidos enumerados no art.2º do CPTA e não apenas anular, mas “o que o juiz não pode é determinar aquilo que a Administração há-de fazer num caso concreto, e muito menos substituir-se a ela, quando esteja em causa o conteúdo “discricionário” de um acto de autoridade, devendo limitar-se, então, a uma condenação genérica ou directiva[1].

Em suma, o Princípio da Separação de Poderes já não implica uma proibição absoluta de impor comportamentos à Administração, mas apenas uma proibição funcional de um juiz interferir na essência do sistema de administração executiva. 

Catarina Ruivo Rosa, nº 17221


[1] VIEIRA DE ANDRADE, Justiça Administrativa, Almedina, 2007

Sem comentários:

Enviar um comentário