terça-feira, 22 de março de 2011

"Julgar a Administração é Ainda Administrar"

Quando se fala em Administração Pública, tem-se presente todo um conjunto de necessidades colectivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental para a colectividade, através de serviços por esta organizados e mantidos.
Onde quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma necessidade colectiva, aí surgirá um serviço público destinado a satisfaze-la, em nome e no interesse da colectividade.
As necessidades colectivas situam-se na esfera privativa da Administração Pública, trata-se em síntese, de necessidades colectivas que se podem reconduzir a três espécies fundamentais: a segurança; a cultura; e o bem-estar.

Fica excluída do âmbito administrativo, na sua maior parte a necessidade colectiva da realização de justiça. Esta função desempenhada pelos Tribunais, satisfaz inegavelmente uma necessidade colectiva, mas acha-se colocada pela tradição e pela lei constitucional (art. 205º CRP), fora da esfera da própria Administração Pública: pertence ao poder judicial.

Tal regime, na sua configuração actual, resulta historicamente dos princípios da Revolução Francesa, numa dupla perspectiva: por um lado, ele é um colorário do princípio da separação de poderes; por outro lado, é uma consequência da concepção na altura nova, da lei como expressão da vontade geral, donde decorre o carácter subordinado à lei da Administração Pública.

Foi com a célebre obra política De L` Èsprit dês Lois, publicada em 1748 por Montesquieu, onde formula a famosa teoria da separação de poderes, a qual teve maior repercussão na Europa e na América, que nasceu o contencioso administrativo. Para Monstesquieu existia liberdade politica para cada cidadão, se os poderes legislativo, executivo e judicial não estivessem reunidos nas mesmas mãos.

Numa primeira fase a que o professor Vasco Pereira da Silva designa  – “o pecado original” – há uma negação do principio da separação de poderes por parte da Administração, na medida em que existe uma visão distorcida entre administrar e julgar,  atribuindo-se aos órgãos da administração a tarefa de se julgarem a si próprios… tudo isto porque os revolucionários franceses ao invocarem o princípio da separação de poderes, interpretaram-no de forma errada, segundo a qual, em vez de se reconhecer que “julgar a administração é ainda julgar”, preferia-se considerar que “julgar a administração é ainda administrar” e que a “jurisdição era o complemento da acção administrativa”. Este periodo assumiu diferentes configurações ao longo dos tempos, o primeiro periodo decorreu entre 1789-1799 ; o segundo entre 1799-1872- denominado de sistema de "justiça reservada" e por último o periodo que compreende a data 1872 em diante, o sistema de "justiça delegada". Na segunda fase, os órgãos de topo da administração decidiam em matéria contenciosa sob consulta obrigatória do Conselho de Estado- sistema da justiça reservada, contudo esta consulta não era vinculativa. Por último, o referido órgão passou a ter a última palavra em matéria contenciosa – sistema da justiça delegada. Apesar da passagem do segundo período para o terceiro permitir que o órgão fiscalizador obtivesse maior autonomia, tal não resultou na modificação do modelo administrador-juiz para o dos tribunais administrativos.

O controlo jurisdicional efectivo da acção administrativa  assegura a boa administração (e nesta medida também o interesse público) e a efectivação da justiça no caso concreto. , «em muitíssimos casos, a Administração faz o que os tribunais ‘permitem’»  Julgar a Administração é, pois, ainda administrar.

BIBLIOGRAFIA:

PEREIRA DA SILVA, V., O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, Ed. Almedina, 2009
Amaral, Diogo Freitas do,Curso de Direito Administrativo, Vol. I

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