sexta-feira, 25 de março de 2011

A Legitimidade.

Os preceitos processuais específicos do Contencioso Administrativo e também comuns a todos os meios processuais como é o caso da legitimidade, entre outros, constam Código de Processo dos Tribunais Administrativos, ou doravante designado CPTA. É de destacar aqui a legitimidade visto ser a matéria que em questão nos interessa estando, assim, prevista nos arts. 9º e seguintes do já referido CPTA.

Quanto a estes preceitos respeitantes aos pressupostos parece pouco coerente a lei (ou o legislador mais concretamente) não ter diferenciado efectivamente o que era comum e o que era especial o que leva à existência de uma repetição do que já tinha sido previsto nos termos gerais, uma tal situação pode levar a uma confusão, pode causar problemas ao intérprete e aplicador do Direito, no que respeita a saber, o que está a ser repetido ou o que é realmente novo, dando origem a um regime especial.

Deixando de parte problemas mais abrangentes, como o acima referido, foquemo-nos agora na questão da legitimidade, sendo que esta é a ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual, a ligação entre o problema efectivo entre a Administração e a outra parte a ser resolvido nos tribunais, podendo ser suscitado por quem de direito, ou seja, a legitimidade destina-se a trazer a juízo os titulares da relação material controvertida, a fim de dar sentido útil às decisões dos tribunais.

Como já foi referida a repetição existente no CPTA, além das disposições gerais, existe ainda uma Subsecção II (Da Legitimidade) a propósito da acção administrativa especial qualificada em razão do pedido da impugnação, onde se estabelece um regime "especial" (o que não difere muito da parte "geral", criando-se assim a repetição). Nesta subsecção encontram-se regras relativas à legitimidade, existindo assim uma separação entre legitimidade activa (art. 55º CPTA) e legitimidade passica, que nesta subsecção aparece como "contra-interessados" (art. 57º CPTA). Ainda nesta parte do Código aparece a "aceitação do acto" que, em rigor, não é uma questão de legitimidade, o que será discutido mais adiante.

No art. 55º CPTA é feito, em diversas alíneas, a enumeração das categorias de actores processuais que serão agora examinadas.
Em primeiro lugar, temos os sujeitos privados, em causa está o exercício do direito de acção por privados,, que actuam para a defesa de interesses próprios e podem ser:


A) Os indivíduos que tenham interesse "directo e pessoal" na demanda por terem sido lesados pelo actos nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Os individuos devem alegar a titularidade de um direito subjectivo (art. 9º CPTA), sendo esta uma noção ampla de direito subjectivo público, pois este conceito integra, não só o direito subjectivo (em sentido estrito), mas também os interesses legítimos e osinteresses difusos (visão tripartida).

B) As pessoas colectivas privadas (art. 55º/2 b) CPTA), estas são entidades ficcionadas para efeitos juridicos mas dotadas de direitos e deveres tal como os individuos acima referidos. Contudo, apesar desta assimilação aos indivíduos, as pessoas colectivas são uma realidade instrumental para a realização de interesses das pessoas humanas estando, deste modo, submetidas ao principio da especialidade, isto é, apenas "gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres compatíveis com a sua natureza", art. 12º2 CRP.


Em segundo lugar, temos as pessoas colectivas públicas (art. 55º/2 b) e e) CPTA). Quanto a estas, os sujeitos públicos tanto podem ser as pessoas colectivas públicas, como os órgãos administrativos (ou seja, há as relações jurídicas interpessoais e interorgânicas).


Depois destas, há que enumerar o actor popular, isto é, a legitimidade através da acção popular, que por sua vez tem duas engloba duas modalidades (que geram certos problemas/ questões, que serão referidas):


A) Acção Popular Genérica (art. 55º/1 f) CPTA que remete para o art. 9º/2 do mm Código): esta engloba particulares e pessoas colectivas actuando, de forma objectiva, para a defesa da legalidade e do interesse público, não sendo necessário que estes tenham interesse directo na demanda.


B) A Acção Popular de Âmbito Autárquico (art. 55º/2 CPTA): segundo esta qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, pode impugnar as deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontrem recenseados. Esta é também conhecida como acção popular "correctiva".


É aqui que surge um dos problemas ou questões importantes, é assim, necessário saber se esta dualidade de acções populares (genérica e de âmbito autárquico) se justifica, ou se, pelo contrário, a acção genérica seria suficiente uma vez que o seu âmbito mais abragente abrangeria também as questões autárquicas.
De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, tal como descreve no seu manual "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", a acção correctiva caduca perante a acção popular genérica, uma vez que esta última tem requisitos de admissibilidade mais amplos que absorvem os anteriores, ou seja, quando se refere aos sujeitos como "qualquer pessoa", está a abranger necessariamente "qualquer eleitor"; quando se refere a bens (bens e valores constitucionalmente protegidos), abrange, desta forma, os bens e valores autárquicos; por fim, quando se refere ao âmbito de aplicação, a acção popular genérica abrange toda e qualquer decisão administrativa e por isso, também, as dos órgãos autárquicos.


Finalmente, quanto aos actores processuais, há ainda que referir o Ministério Público que é também ele titular de acção pública no Contencioso Administrativo, actuando a título institucional, para a defesa da legalidade e do interesse público.


Estando, então, enumerados os actores processuais activos anunciados do CPTA, cumpre agora dar atenção a outras problematicas. No que diz respeito ao art.57º CPTA ("contra-interessados" ou actores passivos), este qualifica como sujeitos processuais os particulares dotados de "legítimo interesse" na manutenção do acto administrativo, ou dito de outra forma, que são "directamente prejudicados" pelo provimento do pedido de impugnação. Estes particulares são verdadeiros sujeitos de relações juridicas administrativas multilaterais, as quais, para além da Administração e dos destinatários imediatos da actuação administrativa em causa, dão origem a uma "rede" de ligações juridicas entre multiplos sujeitos, uns do lado activo, outros do lado passivo, que são titulares de posições de vantagem juridicamente protegidas, pelo que devem gozar dos corresp0ndentes poderes processuais.
Ao considerar que, nos processos de impugnação, os sujeitos das relações multilaterais, com interesses coincidentes com os da autoridade autora do acto administrativo, são obrigatoriamente chamados a intervir no processo, o CPTA está a abrir o Contencioso Administrativo à protecção desses direitos "impropriamente chamados de terceiros". Estes "terceiros" têm assim, através do Código uma posição de segundo plano, ou seja, a expressão "contra-interessados" e o seu papel não definido de modo rigoroso pelo CPTA está a secundarizar o lado passivo.
Este novo paradigma das relações administrativas multilaterais do Direito substantivo Administrativo deveria implicar uma revalorização destes sujeitos passivos, devendo a sua designação de "terceiros" ser alterada, passando a sujeitos principais dotados de legitimidade, uma vez que o Código assim o obriga e também porque na prática estes sujeitos não são meros terceiros. Ainda de reparar que nas regras gerais estes sujeitos não recebem tratamento, não recebem qualquer atenção, nem a eles se faz referência.

Problema ainda a ter em atenção é o que diz respeito à aceitação do acto administrativo que aparece na Subsecção II ao lado das regras da legitimidade, quando, em rigor, este pressuposto nada está relacionado com a legitimidade (art. 56º CPTA). A questão que aqui se coloca não é actual, mas vem já desde o inicio, desde a formação do Contencioso Administrativo, sendo portanto, um problema antigo e não, propriamente, moderno e actual. Tradicionalmente, a aceitação do acto era considerada uma questão de legitimidade e não de interesse em agir, pois era negado aos particulares a titularidade de direitos subjectivos perante a Administração (como aliás já foi tratado a proposito da tarefa 1 proposta pelo professor) e qualificava-se a legitimidade processual em termos de "interesse directo, pessoal e legítimo" tomando-se esse interesse como condição necessária para a existência de legitimidade, que funcionava como sucedâneo das posições subjectivas cuja existência, como já se disse, não se admitia, a consequência de tudo isto era a não consideração do interesse em agir como pressuposto processual autónomo. 
Portanto, o legislador, nesta altura em que são reconhecidos direitos e interesses legalmente protegidos aos particulares, de forma plena, deveria rever a aceitação do acto na organização e estrutura do CPTA. Como tal ainda não foi feito, o problema subsiste, ou pelo menos teoricamente, deste modo, um de dois caminhos há que percorrer, ou se considera que a aceitação do acto contitui um pressuposto processual autónomo, o que significa solução diferente do seu reconhecimento como legitimidade ou interesse em agir (como refere Vieira de Andrade) ou, por outro lado, se reconduz tal aceitação à falta de interesse processual. O professor Vasco Pereira da Silva, acompanhando Vieira de Andrade na separação da aceitação do acto do pressuposto da legitimidade, não vê quaisquer vantagens em reconhecer a aceitação do acto como pressuposto autónomo, parecendo-lhe ser mais apropriada a recondução da questão ao interesse em agir, em termos similares ao processo civel.
Está, então, feita a referência à legitimidade e aos problemas que dela advêm,uns mais contemporâneos e outros mais tradicionais, não tendo ainda nenhum deles uma solução legal, ficando esta tarefa nas mãos do intérprete e aplicador do Direito.

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