sexta-feira, 25 de março de 2011

"Julgar a administração é ainda administrar"

A profunda alteração social, política e económica que a Revolução Francesa gerou teve resultados imediatos na ordem jurídica. Baseada numa concepção de separação de poderes, esta Revolução pode ser considerada como marco do início da história do contencioso administrativo.
A separação de poderes postula a divisão dos poderes legislativo, executivo e judicial, sendo estas funções atribuídas a diferentes órgãos. Contudo, o entendimento francês deste princípio levou a admitir que os conflitos em que a Administração era parte deveriam ser julgados pela própria Administração, de modo a evitar uma subordinação do poder executivo ao judicial. Afirmou-se, então, que “julgar a administração é ainda administrar”.
Este era o modelo do administrador-juiz, em que a decisão final dos litígios administrativos cabia aos órgãos superiores da Administração. Era o modelo do Estado liberal em que a Administração era considerada agressiva pois intervinha pouco e contra o particular.
Neste modelo organizativo do contencioso, havia uma confusão ou concentração de dois poderes num decisor que julgava e administrava. É de realçar que este entendimento surge numa fase de revolução em que os tribunais desempenharam um importante papel na luta contra o poder do rei, levando os revolucionários, agora no poder, a temer essa força dos tribunais. Foi no intuito de garantir que os tribunais não interferiam no poder administrativo que lhes foi retirado o poder de julgar a Administração.
Pode dizer-se que este modelo de administrador-juiz durou entre 1789 e 1799.
Em 1799 foi criado o Conselho de Estado. Tratava-se de um órgão administrativo que emitia pareceres sujeitos a homologação do chefe de Estado. Esta fase durou até 1872 e foi denominada de justiça reservada.
A partir desta data a justiça deixou de ser reservada e passou a ser delegada. Diz-se delegada pois o Conselho de Estado, que continua a ser um órgão administrativo, actua agora com base numa delegação de poderes. No entanto, manteve-se a ideia de que julgar a administração é ainda administrar.
Com a evolução para o Estado Social perde-se o entendimento de que a Administração é puramente executiva, atribuindo-lhe como principal característica o poder discricionário. A lei é agora o limite e o fundamento da actuação administrativa pelo que os tribunais podem controlar a legalidade mas não o mérito das decisões da administração.
Embora em França continue a haver um modelo de justiça delegada, actualmente já não vigora o modelo de administrador-juiz, vigora sim um modelo judicialista que se caracteriza por atribuir aos tribunais, integrados numa ordem judicial, a decisão dos litígios administrativos. O princípio agora já não é o de que “julgar a administração é ainda administrar” mas sim o de que “julgar a administração é verdadeiramente julgar”. Entende-se que a actuação da Administração está subordinada à lei e que os tribunais são competentes para conhecer os litígios emergentes de relações administrativas.
Conclui-se pelo acima exposto que o entendimento de que “julgar a administração é ainda administrar” fez sentido no pós Revolução Francesa mas com a evolução da história do contencioso administrativo tornou-se clara a sua jurisdicionalização e a separação entre julgar e administrar.

Ana Rita Peres n.º 16109

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