quinta-feira, 24 de março de 2011

Tema - “Julgar a Administração é ainda administrar” - evolução do conceito no Estado de Direito.

Se a actividade desenvolvida pela Administração Pública passou, desde a época liberal, de uma “actividade limitada” para um actividade prestadora e “constitutiva”, como fez questão de mencionar Rogério Soares em 1955, também na consciência jurídica geral dos administrados se foi consolidando a convicção de que seria necessário dotar os tribunais de mecanismos de controlo adequados a esse intervencionismo crescente do Estado na Sociedade.

Inicialmente, porém, o aumento da participação do poder executivo na vida social não foi acompanhado do correspondente incremento das garantias jurisdicionais dos administrados. Ou seja, durante largos anos a Administração Pública escapava, em inúmeras das manifestações em que se revela a sua actividade, a um pleno controlo jurisdicional. Segundo o entendimento do professor Sérvulo Correia, o sistema francês do “administrador-juiz” permitia que a fiscalização da legalidade da conduta administrativa coubesse ao topo dessa mesma hierarquia administrativa, quer ao Rei quer aos directórios executivos, segundo a ideia de que “julgar a Administração é ainda administrar”.

Com a reforma do contencioso administrativo de 2002, do que se trata é de “superar definitivamente os velhos traumas da infância difícil do contencioso administrativo, como entende o professor Vasco Pereira da Silva, da confusão entre Administração e Justiça, para se passar a considerar que os tribunais administrativos são verdadeiros e próprios tribunais, pelo que os efeitos das suas sentenças não possuem qualquer limitação “natural”, antes devem ter por critério e medida os direitos dos particulares necessitados de tutela. Uma vez assegurada, no termo de uma evolução histórica longa e conturbada, a integral subordinação da Administração a regras jurídicas e a atribuição da fiscalização do cumprimento dessas regras a verdadeiros tribunais, trata-se agora de fechar o círculo e conferir aos tribunais administrativos os poderes de plena jurisdição que são próprios e indispensáveis ao adequado exercício da função judicial.

O professor Barbosa de Melo entende que, se, por um lado, aos olhos dos injustiçados e daqueles que querem justiça, os tribunais podem ser encarados como a instituição simbolicamente capaz de compensar as perversões do poder legislativo e do poder executivo e de garantir a ideia de objectividade que se supõe, por definição, inerente ao Estado e às suas manifestações, por outro lado, o absolutismo jurisdicional não pode conduzir à anulação do poder executivo, dado que isso poderá pôr em causa valores essenciais da governação republicana. Ao invés, se se admite uma reserva de administração dentro da qual o poder executivo goza de liberdade de conformação e de apreciação, esta não poderá obstar à competência dos tribunais para condenar as autoridades administrativas a indemnizar os particulares lesados pelos seus actos e comportamentos, dado que ninguém está sujeito a aceitar como fatalmente irreversíveis as decisões administrativas, sendo que só a decisão jurisdicional possuirá, por princípio, a virtude de estabelecer definitiva e irreversivelmente o que é de direito para o particular em cada situação administrativa concreta.

Hoje, segundo escreve Rita Pires, pode o Tribunal condenar a Administração sem que para isso incorra em violação do princípio da separação de poderes, uma vez que a visão clássica, onde cada poder é estático e permanece fechado no seu espaço individual de acção, não representa sequer um reflexo da realidade que hoje caracteriza o relacionamento entre poderes.


Ricardo Venâncio - Aluno 17518.

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