quarta-feira, 25 de maio de 2011

Acção de Condenação á prática do Acto Devido

A acção de condenação à prática de acto administrativo devido é uma modalidade de acção administrativa especial, à luz do artigo 46º/2-b) CPTA, e vem regulada nos termos dos artigos 66.º e seguintes do CPTA.

Nem sempre assim foi, pois até à Reforma do Contencioso em 1984/85, estava em vigor um Contencioso de mera anulação,de inspiração Francesa, no qual figurava o recurso directo de anulação, segundo o qual a condenação da Administração só era admitida para as acções em matéria de contratos e de responsabilidade, e, ainda assim, de forma limitada,e de forma "encapotada", no âmbito do contencioso de anulação, através da ficção do acto tácito de deferimento. O Prof. Vasco Pereira da Silva refere que este método representava uma forma ineficaz de tutelar os direitos dos particulares com os seguintes argumentos; a construção de um acto que se"finge" existir para depois "se fingir" que se anula para se continuar "afingir" que daí resulta qualquer obrigação de praticar o acto contrário não tem qualquer relevância do ponto de vista prático nem teórico.
E isto porque ao Tribunal só cabia o poder de anular actos, e nunca de dar ordens à Administração que tinha por detrás dela o "todo poderoso" Estado, assim uma ordem de condenação não teria senão a eficácia de uma mera anulação, já que "julgar" não pode ser "praticar actos em vez da administração". Era este o entendimento daqueles que pensavam estar, assim, a respeitar o princípio da separação de poderes. Ora, esta confusão entre o poder de julgar e o de administrar não tem sentido, visto que, uma coisa é condenar a Administração à prática de actos administrativos o que corresponde a tarefa de julgar, outra é o tribunal praticar actos em vez da administração e assim interferir no domínio da discricionaridade Administrativa, fazendo sentido, neste último caso,sim, invocar o principio da separação de poderes.

Nos Casos de Omissão Legal surge, com a Reforma do Contencioso (1984/85), a acção para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 69.º LEPTA), o qual vigorou ao lado do recurso directo de anulação, e das tradicionais acções, em matéria relativa a responsabilidade civil e de contratos. Neste sentido, os particulares poderiam optar entre intentar logo a acção para o reconhecimento de direitos ou optar por utilizar o recurso de anulação do indeferimento tácito, neste sentido pronuncia se o Prof. Freitas do Amaral.
Só com a revisão constitucional de 1997, surge efectivamente um novo meio processual de natureza condenatória criado pelo legislador constituinte. Denota-se, então, a possibilidade de determinação da prática do acto devido , componente essencial do princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares, em face da Administração(artigo 268.º/4 CRP), possuindo este natureza de direito fundamental, e então , imediatamente aplicável de acordo com o artigo 18 nº 1 CRP.
E é assim, ao longo deste "processo terapêutico", com a passagem da Administração agressiva a prestadora e infra-estrutural , e com a superação dos "traumas de infância" do contencioso de plena jurisdição que surge a acção de condenação á prática do acto devido como modalidade de acção administrativa Especial, art. 66 CPTA.
O artigo 66.º CPTA abrange, duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido:
a) condenação à emissão de acto ilegalmente omitido;
b) condenação à emissão de acto ilegalmente recusado de conteúdo favorável, em substituição do acto anterior desfavorável
No que diz respeito ao objecto do processo, este deve incidir sobre uma ligação do pedido e da causa de pedir, considerados como dois aspectos de direito substantivo invocado. Como invoca MANDRIOLI o pedido e a causa de pedir são simultâneamente "verso e reverso da mesma medalha, sendo certo que a medalha de que estas duas perspectivas são as duas faces, é o direito substancial e , mais precisamente,o direito substancial afirmado".

Importa agora referir o que é o acto devido.
Na visão do "objecto do processo" defendida pelo professor Vieira de Andrade, o acto devido é aquele que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão , quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão.
Todavia, o professor Vasco P. da Silva não concorda com esta sobre valorização do pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor, isto é, a condenação na prática do acto devido) sobre o pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende tutelar com esse efeito) e à causa de pedir (a lesão pela omissão ou pela actuação ilegal da administração), pois adopta antes uma concepção ampla do processo, que abrange também a consideração da causa de pedir. Assim,o objecto será a pretensão do interessado, mais correcta e especificamente, o direito subjectivo do particular a uma determinada conduta da administração; e não o acto de indeferimento.
Esta visão merece a concordância do professor Mário Aroso de Almeida, que refere: "o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório,no sentido em que , mesmo quando tenha havido lugar á prática do acto devido o objecto do processo não se define por referência a esse acto ". Daqui se retira a irrelevância da existência do acto administrativo prévio, sendo que mesmo quando ele exista, a apreciação judicial apenas incidirá sobre a posição substantiva do particular. Conclui se,então, que o acto administrativo não possui qualquer autonomia ,em caso de procedência do pedido do particular relativamente ao direito subjectivo lesado,ele é automaticamente eliminado.
O artigo 71.º CPTA, adopta a concepção ampla, pois o que o tribunal aprecia verdadeiramente é a concreta relação administrativa entre o particular e a Administração, no intuito de apurar a existência ou não do direito do particular, e determinar o próprio conteúdo do acto devido. Mais, o tribunal aprecia a concreta relação jurídica material tal como se configura no momento em que a decisão vai ser proferida, o que permite ao particular impugnar não só os actos praticados antes do processo, como também actos parcial ou totalmente desfavoráveis praticados na pendência da acção - artigo 70.º/1 e 3 CPTA. Assim, de denota que os poderes de pronúncia do juiz devem ir tão longe quanto o exigirem os direitos dos particulares necessitados de tutela no âmbito da relação administrativa em causa.
E esta ideia de se garantir, na sua plenitude, os direitos dos particulares necessitados de tutela vai mais longe, pois nos termos do artigo 51.º/4 CPTA, o tribunal deve convidar o particular a substituir o seu pedido,respeitando se o princípio do pedido, sempre que tenha intentado acção de estrita anulação contra um acto de indeferimento, dando-se novamente ênfase e preferência à acção de condenação.Assim, o particular deve ser convidado a fazer o pedido adequado, o código considera,então,que o objecto de apreciação jurisdicional, nos casos em que a administração se encontra vinculada a actuar de um modo favorável ao particular é o próprio direito do particular conduta devida.

No que diz respeito ao contéudo das sentenças das acções de condenação,importa ter em conta (no que se refere as situações em que a Administração tem de actuar ) que o contéudo decisório,apesar de exercido no seu âmbito discricionário, é submetido a controle jurisdicional. Apesar do tribunal não poder determinar o contéudo do acto a praticar(violar se ia o principio da separação de poderes) pode e deve explicitar as vinculações a que devem ser observadas pela Administração na emissão do acto devido,art.71 nº 2 CPTA.
Assim, é de prever que os contéudos das sentenças de condenação na prática do acto administrativo sejam muitissimo diferenciados, o Prof MÁRIO AROSO DE ALMEIDA considera os como "processos de geometria variável" .
Existem, para o professor Mário Aroso de Almeida, três modalidades de sentenças:
1. de condenação estrita: a Administração está vinculada, por lei, a proferir a sentença com um conteúdo determinado;
2. "redução da discricionaridade a zero": a lei confere, em abstracto, certos poderes à Administração, contudo, no caso concreto, tem de praticar um acto com um determinado conteúdo.
3. com conteúdo discricionário: a Administração pode praticar um qualquer acto, não estando sujeita a especificações quanto ao conteúdo do mesmo.
Já o professor Vasco Pereira da Silva considera existirem apenas duas modalidades de sentenças:
- de discricionaridade em sentido abstracto: a lei vincula a Administração à prática de um acto com um determinado conteúdo, tanto no que concerne à oportunidade, como ao modo de exercício,exercício de poderes vinculados;
- de discricionaridade em sentido concreto: a lei vincula a Administração à prática de um acto com um conteúdo relativamente indeterminado, já que embora as escolhas quanto ao caso concreto sejam da responsabilidade desta, o tribunal estabelece os elementos vinculados (competência, fim e princípios) a respeitar, e fornece orientações quanto aos critérios de decisão – artigo 71.º/2 CPTA. São, na verdade, denominadas sentenças "mistas", uma vez que combinam efeitos de natureza condenatória estrita (quanto à prática do acto e aos elementos vinculados), efeitos declarativos de simples apreciação (quanto aos elementos discricionários), e efeitos de apreciação conformadora e preventiva da actuação administrativa futura (pois ao delimitar as circunstâncias do caso em concreto, está também a fazê-lo, ainda que indirectamente, para os futuros casos de natureza semelhante).


Relativamente aos pressupostos processuais importa chamar á colação os art. 67, 68 e 69 do CPTA. É necessário averiguar quais os pressupostos para o pedido de condenação:
a) No caso de existência de uma omissão administrativa ou prática de acto de conteúdo negativo(artigo 67.ºa) CPTA) , é necessário que tenha havido um pedido do particular,apresentado ao órgão competente com o dever legal de decidir e que não tenha sido proferida decisão dentro do prazo estipulado.
Nestes casos consideravam se tacitamente indeferidas tais pretensões á luz do artigo 109 nº1 CPA,com vista, a permitir a sua impugnação contencioso, só essa "ficção legal" foi considerada desnecessária. O Prof Vasco Pereira da Silva, prossegue a posição do Prof Mário Aroso de Almeida, defendendo que o art. 109 nº1 do CPA deve entender se como tacitamente derrogado no que se refere á parte em que reconhece ao interessado a "faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação". A expressão deve ser entendida como se dissesse que a falta de decisão adminstrativa confere ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado.
Casos há, porém, em que a omissão equivale ao deferimento tácito do pedido do particular (artigo 108.º CPA), o qual é, igualmente, uma ficção legal. Será admissível a propositura de acção de condenação nestes casos?
Os professores Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, que consideram o deferimento tácito um acto administrativo que resulta de uma presunção legal, entendem que não, pois a produção do acto omitido já resulta da lei.
Já o professor Vasco Pereira da Silva não considera sequer o deferimento tácito como um acto administrativo,refere o como uma "ficção legal de efeitos positivos e assim aceita a possibilidade de pedido de condenação em pelo menos duas situações de deferimento tácito:
- No caso de deferimento tácito parcialmente desfavorável, isto é, quando formado nos termos da lei e não corresponder integralmente ao pedido do particular, permitindo a proposição de novos pedidos de condenação
- deferimento tácito apenas favorável relativamente a alguns dos sujeitos,mas não aos demais que se vêm confrontados com efeitos desfavoráveis, aquando de uma relação jurídica multilateral.
Em qualquer destes casos estamos perante uma omissão de acto administratio devido, em que se podem denotar efeitos positivos, decorrentes da ficção legal, mas também efeitos susceptíveis de serem configurados como desfavoráveis. Nestas Situações em que existem efeitos desfavoráveis, relativamente ao requerente ou a outros sujeitos da relação multilateral, o pedido adequado parece ser o da condenação em acção administrativa Especial.
 
b) acto administrativo desfavorável ou de conteúdo negativo (artigo 67.ºnº 1-b) e c) CPTA): diz respeito à denegação do alegado direito do particular, e pode advir tanto da recusa da prática do acto, como da recusa de apreciação do pedido, isto é, do requerimento.
 
c) O artigo 68.º CPTA refere se a regras de legitimidade quando estão em causa pedidos de condenação , e neste caso, são partes legitimas para os apresentar :

- sujeitos privados: os indivíduos e pessoas colectivas que aleguem a titularidade de um direito ou interesse legalmente admitido (artigo 68.º/1-a) e b) CPTA);
- sujeitos públicos: as pessoas colectivas mas também órgãos administrativos, uma vez que embora o preceito não o preveja, os órgãos são os verdadeiros sujeitos públicos em direito administrativo e, por outro lado, o artigo 10.º/4 CPTA entende que os pedidos dirigidos aos órgãos devem ser considerados como dirigidos às pessoas colectivas, pelo que, tal como entende o professor Vasco P. da Silva, não se vê qualquer sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio de relações inter-subjectivas e já não no âmbito das inter-orgânicas, então , deve valer tanto "para fora" como "para dentro" das pessoas colectivas. Assim sendo o artigo 68.ºnº1 b) deve ser interpretado à luz do artigo 10º, dando prevalência a factores de ordem material sobre os de natureza formal.
- Ministério Público (actor público): actua na defesa da legalidade e do interesse público, apenas quando tal advenha de um dever objectivo que resulte directamente da lei, pelo que só pode formular pedidos de condenação quando esteja em causa, ao abrigo do artigo 68.º/1-c), a ofensa de um direito fundamental de um interesse público especialmente relevante(tão relevantes que chega ao ponto de se permitir ao MP desenvolver mecanismos destinados a protecção de direitos subjectivos) ou de qualquer bem referido no artigo 9.º/2 CPTA.

No que se refere a compatibilidade do pressuposto processual da legitimidade do MP com os pressupostos relativos ao comportamento da Administração, o Prof Vasco Pereira da Silva considera que só é admissivel a intervenção do Ministério Público, quando tenha sido emitido um acto administrativo de contéudo negativo, mas já não nos casos em que estejamos perante uma qualquer omissão administrativa, visto que, de uma prespectiva objectiva, de defesa da legalidade e do interesse público, é mais grave a emissão de um acto administrativo ilegal do que a verificação de uma omissão de comportamento ilegal , do ponto de vista subjectivo , da protecção das posições de vantagem, a omissão pode ser tão ou mais relevante do que a actuação de contéudo negativo. Daqui resulta a necessidade de tratamento diferenciado consoante estamos perante uma acção para defesa de interesses proprios ou face a uma acção pública e da acção popular.
Já os professores Mário A. De Almeida e Vieira de Andrade admitem a legitimidade em ambos os casos, isto que o preceito circunscreve o poder de actuação do MP em que o dever de praticar o acto seja um dever objectivo sem dependência de apresentação de requerimento, nestes casos, então, o MP não tem de apresentar qualquer requerimento dirigido á prática do acto objectivamente devido nem de aguardar qualquer resposta para pedir a condenação da administração ao cumprimento do seu dever de agir.
No que diz respeito ao Actor popular, também este tem legitimidade para apresentação de pedidos de condenação á prática de acto devido de acordo com o artigo 68º/1-d), por remissão ao 9º/2 CPTA. Denota se a necessidade de conciliar as disposições atributivas de legitimidade relativas ao actor público e ao actor popular, neste sentido, o actor popular só deve actuar quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a tutela de direitos fundamentais ou de interesse público especialmente relevante. O actor popular só é considerado parte legitima quando estamos frente a frente com um acto administrativo de contéudo negativo e não quando estamos perante qualquer omissão administrativa.

O último dos pressupostos relativos á propositura da acção é a oportunidade do pedido (artigo 69.º CPTA) que nos refere que em caso de inércia da Administraçao, o prazo é de um ano a contar desde o termo do prazo para a emissão do acto ilegalmente omitido,art. 69.ºnº1, em caso de acto de conteúdo negativo, o prazo estabelecido é de três meses, contados da notificação do acto,art. 69.ºnº2 e 3. O decurso do prazo não produz qualquer efeito substantivo mas apenas efeitos processuais, uma vez que só diz respeito ao pedido formulado, não dando lugar à sanação da invalidade,isto porque, um acto que já não pode ser impugnado pode ainda ser apreciado pelo tribunal, a título incidental, num processo distinto (em acção administrativa comum, ainda que sem eficácia condenatória quanto à prática do acto), em que estejam em causa outros direitos,artigo 38º.

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