quarta-feira, 18 de maio de 2011

Processos Urgentes

Impugnações urgentes

A verificação da legalidade de pronúncias da Administração são o principal alvo de enfoque, no entanto, isto não significa necessariamente que as sentenças dos processos se refiram apenas à invalidade dos actos impugnados, isto é, que sejam, por definição declarativas ou constitutivas, pois que, seguramente no caso dos processos eleitorais, mas também nos processo pré-contratuais, pode pedir-se e obter-se a condenação directa da Administração.
Assim, no âmbito do contencioso eleitoral, previsto no artigo 97.º do CPTA, destaco o facto de a lei processual autonomizar este meio impugnatório como meio principal para a resolução acelerada e simplificadas das questões suscitadas por actos eleitorais, em função da sua natureza urgente.
Quanto ao objecto das eleições a que se referem estas impugnações são aquelas através das quais se designam os titulares de órgãos administrativos electivos de pessoas colectivas públicas, sobretudo no âmbito das administrações autónomas, mas incluindo também as eleições para órgãos não burocráticos da administração directa ou indirecta.
Os litígios a resolver por este meio não são apenas os relativos ao acto eleitoral propriamente dito, englobam ainda as questões do respectivo procedimento.
A lei, todavia, parece limitar a sindicalidade dos actos pré-eleitorais, admitindo apenas a impugnação autónoma daqueles que impliquem exclusão ou omissão de eleitores nos cadernos eleitorais ou de elegíveis nas listas eleitorais (artigo 98.º n.º 3)
Deste modo, deverá considerar-se incluída na excepção legal, a impugnação autónoma da recusa de admissão de listas se sufrágio; deverá ainda considerar-se impugnável, numa interpretação correctiva, a inscrição indevida de “eleitores” e a admissão indevida de candidatos ou de candidaturas, de forma a conseguir tempestivamente uma estabilização do universo eleitoral; a impugnação unitária deve interpretar-se como referida a cada acto eleitoral, mesmo quando se trate de actos eleitorais intercalares ou não definitivos, como acontece nas eleições indirectas ou nas eleições por voltas – sempre sem prejuízo da impugnação da eleição final relativamente a vícios procedimentais graves, que só sejam conhecidos posteriormente.
Por sua vez, relativamente à legitimidade, a iniciativa do processo cabe em exclusivo aos eleitores e elegíveis, incluindo, nos casos de omissão nos cadernos ou nas listas, as pessoas cuja inscrição foi omitida (artigo 98.º n.º 1).
No que diz respeito ao prazo, na falta de disposição especial, será de sete dias, a contar da possibilidade do conhecimento ou omissão (artigo 98.º n.º 2).
No que toca à urgência é de referir que este processo segue a tramitação da acção administrativa especial, com especificidades, designadamente as decorrentes do seu carácter urgente (artigo 99.º)
Sendo que, a plena jurisdição mencionada no artigo 97.º n.º 2, pretende significar que o processo não se dirige meramente à anulação ou declaração de nulidade dos actos impugnados e engloba a possibilidade de condenação imediata das autoridades administrativas, seja para assegurar a inscrição nos cadernos ou a aceitação das listas de candidatos, seja para obrigar à reforma do procedimento eleitoral.
No que concerne ao contencioso pré-contratual, destaco que entre as impugnações urgentes se inclui a impugnação de actos administrativos relativos à formação de quatro tipos e contratos: empreitada, concessão de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens (artigo 100.º)
Este contencioso pré-contratual dá continuidade ao regime especial instituído pelo Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, para determinados contratos, em aplicação da chamada “Directiva-Recursos” (Directiva n.º 89/665/CEE), alargando agora aos contratos de concessão de obras públicas.
A previsão de um processo autónomo e urgente resulta da necessidade de assegurar simultaneamente duas ordens de interesses, públicos e privados: por um lado, promover neste domínio a transparência e a concorrência, através de uma protecção adequada e em tempo útil aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas; por outro lado, e sobretudo, garantir o início rápido da execução dos contratos administrativos e a respectiva estabilidade depois de celebrados, dando protecção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contratantes.
Assim, podem ultrapassar-se as tradicionais dificuldades na determinação do alcance dos conceitos de “acto administrativo impugnável” ou de “norma” nos meios impugnatórios normais, tal como pode obter-se a resolução rápida das questões de legalidade procedimental dos contratos, de preferência antes da respectiva celebração, para evitar impugnações posteriores com esse fundamento, sempre indesejáveis, seja quando procedam, seja quando se tornem praticamente ineficazes.
Em matéria de objecto, este meio deve ser utilizado, desde logo, quando esteja em causa a ilegalidade de quaisquer decisões administrativas relativas à formação dos referidos contratos. Possibilitando desta forma, a impugnação de todos os actos administrativos relativos à formação dos referidos contratos, bem como os actos equiparados e entidades privadas; a impugnação directa de “documentos contratuais” normativos, designadamente, com fundamento na “ilegalidade” das especificações técnicas, económicas ou financeiras.
É ainda de referir que apesar da dúvida, poder-se-á obter neste processo, a condenação à prática dos actos pré-contratuais devidos, pois nada obsta em termos substanciais a que seja pedida e concedida a condenação, que, pelo contrário, se insere bem no espírito do direito reformado, de grande abertura processual, em favor da tutela judicial efectiva, em geral, e da cumulação de pedidos, em especial, tal como na “justiça do sistema”, que prefere a condenação nos casos de impugnação de actos negativos – e a cumulação num contexto de urgência pode justificar-se plenamente, seja nos casos em que haja omissão, indeferimento ou recusa ilegal de contratar, em que o interesse do particular é justamente o de uma condenação, seja no caso de impugnação de actos positivos e exclusão de propostas ou de concorrentes, pois que também aí pode haver interesse na condenação.
Em relação ao prazo para a apresentação do pedido é de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, do conhecimento do acto (art. 101.º)
A propositura da acção não tem efeito suspensivo sobre o procedimento, podendo o interessado interpor, se for caso disso, a providência cautelar especial prevista no artigo 132.º.
Se houver lugar a impugnações administrativas, como estas serão, em regra, facultativas, o prazo suspende-se e só volta a contar-se a partir da decisão administrativa sobre essa impugnação ou do termo do prazo legal respectivo, sem prejuízo de o interessado poder entretanto propor acção principal ou solicitar providências cautelares, nos termos do artigo 59.º (n.ºs 4 e 5) – se a impugnação for necessária, suspende a eficácia do acto e, portanto, o prazo só começa a contar depois de proferida a decisão respectiva.
Quanto aos restantes pressupostos, aplicam-se, por força do artigo 100.º n.º 1, as regras relativas à impugnação de actos, com as adaptações que se revelarem necessárias.
Em conclusão, a tramitação deste processo é única e segue a forma da acção administrativa especial, com algumas alterações, entre as quais se destaca a possibilidade da concentração numa audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, com alegações orais e sentença imediata (artigos 102.º e 103.º) – audiência que, contudo, parece não ter entretanto assumido qualquer relevo prático.
A cognição do tribunal é plena e, em caso de procedência, a sentença será, em regra, anulatória ou de declaração da invalidade do acto ou documento contratual.
De referir ainda que a lei estende expressamente a este processo urgente, embora com algumas diferenças de relevo, a possibilidade, admitida em geral no art. 45.º, de, em caso de impossibilidade absoluta dos interesses do autor, o juiz não proferir a sentença requeria e convidar as partes a acordarem no montante da indemnização devida.

Intimações urgentes

Trata-se de processos urgentes de condenação, que visam a imposição judicial, em regra dirigida à Administração, da adopção de comportamentos e também, designadamente no caso de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias para a prática de actos administrativos.
Em caso de resolução urgente deverá seguir a forma de acção administrativa comum, enquanto, no caso de condenação à prática de acto administrativo deverá seguir a forma de acção administrativa especial.
            Por conseguinte, encontram-se reguladas no CPTA, duas formas de intimações: a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
A primeira é actualmente, configurada como uma acção principal e um processo urgente, tornando-se o meio adequado para obter a satisfação de todas as pretensões informativas, quer esteja em causa o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art. 104.º), incluindo o acesso aos ficheiros públicos de dados pessoais.
No que diz respeito à legitimidade, a intimação pode ser pedida pelos titulares dos direitos de informação ou, na hipótese de utilização para efeitos de impugnação judicial, por todos os que tenham legitimidade para usar os meios impugnatórios, incluindo os autores populares, bem como o Ministério Público, para o exercício da acção pública (artigo 104.º n.º 2).
Quanto à legitimidade passiva parece caber, nos termos gerais, à pessoa colectiva ou ao ministério a que pertence o órgão em falta (art.º 10.º n.º 2). No entanto, segundo a referência do artigo 107.º relativamente à autoridade (e não à entidade) requerida – supõe-se que não exista aqui um regime especial de legitimidade, pelo que o requerente deverá, sempre que possível, identificar o órgão responsável, para que o tribunal possa directamente citá-lo e dirigir-lhe a intimação, sem dependência da organização interna da pessoa colectiva ou do ministério.
A utilização deste meio pressupõe o incumprimento pela Administração do dever de informar ou de notificar, valendo, por isso, a exigência do pedido anterior do interessado (règle du préalable) como pressuposto processual.
O prazo é de vinte dias, a partir da verificação da não satisfação do pedido, a partir da omissão, do indeferimento expresso ou do deferimento parcial (art. 105.º)
A tramitação é simples, com resposta da autoridade no prazo de dez dias e, em regra, decisão imediata do juiz, dado que na maior parte dos casos não serão necessárias outras diligências (artigo 107.º).
Por último, gostaria ainda de referir que esta acção alcançou pela redacção da nova lei a dupla natureza que a jurisprudência do STA já antes lhe reconhecia e, portanto, ainda que transformado num processo estruturalmente autónomo e ainda que ampliada a sua função – para exercício do direito fundamental à informação procedimental -, continua a ter também e parcialmente o perfil cautelar, uma vez que o pedido (de informação, consulta de documentos ou passagem de certidão) pode servir para obter informações necessárias à instrução de um processo principal. Neste caso, a intimação produz, nos termos do art. 106.º, “efeito interruptivo” quanto aos prazos em curso para accionar este (outro), processo principal, em via judicial ou administrativa.
            A criação da segunda forma de intimação, anteriormente enunciada, é favorecida pelo artigo 20.º n.º5 da Constituição, reconhecendo assim a importância de uma protecção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pelo que, a utilização desta acção deve limitar-se às situações em que esteja em causa directa e imediatamente o exercício dos mesmos.
Pode utilizar-se este meio quando a emissão célere de uma decisão de mérito do processo que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa seja indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia (artigo 109.º)
Exige-se, desde logo, a urgência da decisão para evitar a inutilização do direito, sem a qual deverá haver lugar a uma acção administrativa normal, seja comum ou especial, sublinhe-se, todavia, o carácter relativo ou gradativo da urgência.
Pressupõe-se que o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva ou negativa à Administração.
Por fim, a lei exige ainda que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar.
A legitimidade para esta intimação pertence naturalmente aos titulares dos direitos, liberdades e garantias.
O conteúdo do pedido será a condenação na adopção de uma conduta positiva ou negativa na parte da Administração, que pode consistir mesmo na prática de um acto administrativo (art. 109.º n.ºs 1 e 3)
O pedido de intimação pode ainda ser dirigido contra concessionários ou quaisquer particulares, mesmo que não disponham de poderes públicos – embora, obviamente, se deva estar perante uma relação jurídica administrativa.
Nestes processos não há lugar ao pagamento de custas.
Quanto à tramitação é extremamente simples e rápida, designadamente nas situações de especial urgência.
Na realidade, a lei prevê vários andamentos possíveis para o processo (artigo 110.º n.º 1, 2 e 3; 111.º), sendo que o juiz pode optar por uma tramitação acelerada ou simplificada realizando uma audiência oral.
Quando a pretensão se dirija à prática de um acto administrativo estritamente vinculado, a lei admite, excepcionalmente, a possibilidade de sentenças substitutivas da pronúncia da Administração, designadamente quando se trate da execução de acto administrativo já praticado (artigo 109.º n.º 3). Nestas situações, já não estamos perante simples intimações, mas perante intervenções judiciais.
A sentença, quando não seja substitutiva, determina o comportamento concreto, o prazo e, se for caso disso, o próprio órgão administrativo responsável pelo cumprimento, designadamente quando implique a prática de um acto administrativo.
É ainda de salientar que se aplicam a estas intimações as regras gerais de execução de sentenças condenatórias, incluindo as relativas à responsabilidade civil, disciplinar e criminal.
A invocação da grave lesão para o interesse público como causa legítima de inexecução da sentença condenatória, não parece admissível, nestes, pois pressupões uma prevalência do direito fundamental na ponderação concreta e imediata dos valores em presença.
A lei prevê a possibilidade de fixação pelo juiz de sanções pecuniárias compulsórias, imediatamente na sentença condenatória ou em despacho posterior.
Relativamente, às decisões de improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias são sempre recorríveis, seja qual for o valor da causa (artigo 142.º n.º 3 a).
Por sua vez, o recurso das sentenças que tenham proferido a intimação, quando seja admissível, tem sempre, por determinação da lei, efeito meramente devolutivo, independentemente da ponderação dos danos que esse efeito possa causar – o objectivo é o de assegurar uma protecção efectiva reforçada dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos já reconhecidos na primeira instância, mesmo que estejam em causa interesses públicos relevantes.

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