segunda-feira, 2 de maio de 2011

Quem são os contra-interessados?

“(…) a problemática dos sujeitos no Contencioso Administrativo necessita ainda, em nossos dias, de ser entendida no quadro das relações multilaterais (…), fazendo coincidir a relação processual com a substantiva.”[1]

A Reforma de 2004 veio abandonar a visão bilateral em relação à legitimidade para adoptar uma visão multilateral, ou como refere RUI MACHETE, veio tutelar não só a relação vertical, entre o particular e a Administração, mas também as relações horizontais entre os particulares, “cujo desenvolvimento ou tutela careciam de alguma intervenção das autoridades”[2], que era, anteriormente, um exclusivo do direito privado.

A posição dos contra-interessados pode ser exemplificada pela figura de um triângulo, sendo esta uma relação tripartida, em que a Administração se encontra no vértice superior (não querendo com isto dizer que ocupa uma posição superior ou mais privilegiado que a outra parte, até devido ao princípio da igualdade de armas – art.6º CPTA, mas apenas que tem uma relação tanto com o autor como com o contra-interessado), tendo uma relação vertical com os particulares, que se encontram nos outros dois vértices do triângulo. Como explica RUI MACHETE, a relação vertical estabelece-se entre o particular que propôs a acção e a Administração, embora também haja susceptibilidade de haver uma relação vertical entre o contra-interessado e a Administração, se este tivesse proposto uma acção de manutenção do acto. A relação horizontal entre os particulares constitui a razão de ser da protecção jurídica da posição substantiva de terceiro e da sua possibilidade de tutela jurisdicional como contra-interessado. Esta relação horizontal não é uma relação concreta, equivalente às relações verticais entre particulares e Administração que se desenvolvem no tráfico jurídico, mas antes o juízo comparativo de valoração realizado no plano normativo.

A tutela legal dos contra-interessados visa assegurar o princípio do contraditório (32º/5 CRP), que assegura a presença de todos os afectados pela sentença, e pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva (268º/4 CRP).

Os contra-interessados são então terceiros ao processo, no sentido em que não pertencem à relação material controvertida, mas que beneficiam ou têm interesse na manutenção do acto, aqueles a quem o provimento possa directamente prejudicar, sendo esta a definição presente no art. 57º CPTA (quanto à acção especial de impugnação) e no art. 68º/2 CPTA (quanto à acção especial de condenação à prática de acto devido). Mas quem são os contra-interessados? Qualquer particular que tenha um qualquer interesse na manutenção do acto?

A doutrina tem apresentado três critérios para definir quem pode ser contra-interessado:
  • Do acto impugnado: quem seja titular de um interesse qualificado na conservação do acto impugnado é contra-interessado;
  • Teoria da posição substantiva de terceiro: existência de um interesse pessoal, directo e actual contra o Autor;
  • Fins da sentença: é contra-interessado quem pode ser afectado pela sentença, sendo este o critério seguido por PAULO OTERO.
 RUI MACHETE refere que um dos modos de identificar quem pode ser contra-interessado é através da possibilidade de reversibilidade dos papéis processuais de autor e contra-interessado. Um exemplo desta situação é o caso em que particular, interessado obtenção de uma licença que lhe foi negada, impugna o acto que a negou, ou seja está interessado na alteração do status quo; enquanto um terceiro, seu vizinho, interessado na manutenção do acto que lhe negou a licença, na manutenção do status quo, é contra-interessado, pois beneficia dessa mesma negação de licença. As situações destes dois particulares são reversíveis, pois o vizinho interessado pode propôr uma acção de manutenção do acto, uma acção negatória, art. 2º al.c) e 37º/2 al.c) do CPTA.

PAULO OTERO fundamenta a tutela dos contra-interessados segundo um ponto de vista subjectivo e outro objectivo:
  • Subjectivo: em que o contra-interessado é chamado a intervir por ser titular de interesses que podem ser prejudicados com o provimento da acção, podem ser lesados pela mesma;
  • Objectivo: em que a intervenção dos contra-interessados deve-se a assegurar que estes ficam abrangidos pelo caso julgado.
O Professor considera que se está perante um litisconsórcio necessário passivo, assim do VASCO PEREIRA DA SILVA,  garantindo a intervenção efectiva dos contra-interessados e o efeito útil do caso julgado.

Os contra-interessados são então terceiros perante a relação material controvertida, que se encontram numa relação de conflito com o autor, titulares de posições jurídicas de vantagem conexas com as da Administração, pelo que deveriam intervir nos mesmo termos que esta no processo administrativo. Como afirma VASCO PEREIRA DA SILVA, fazendo uma interpretação sistemática do CPTA, podemos considerar os contra-interessados como verdadeiras partes, em litisconsórcio passivo necessário com a Administração,  gozando dos respectivos direitos e deveres.

A Reforma de 2004 abriu a possibilidade de tutelar as relações multilaterais, no entanto não foi feliz na nominação de contra-interessado, quando na realidade se está perante uma parte em litisconsórcio necessário, e ainda foi muito ampla na sua consagração, sendo necessário interpretar o preceito de modo a poder definir quem são os contra-interessados!


Catarina Ruivo Rosa, nº17221


[1] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso no Divã da Psicanálise, Almedina
[2] RUI CHANCERELLE DE MACHETE, A Legitimidade dos Contra-Interessados nas acções administrativas comuns e especiais, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, II volume

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