quarta-feira, 25 de maio de 2011

Cumulação de Pedidos

O artigo 20º CRP garante aos cidadãos o direito de acesso aos tribunais e ao direito, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O cerne desta garantia consiste no direito à protecção pela via judicial que possui dimensões substanciais, que compõem o já mencionado direito a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. O direito à protecção judicial é ainda reforçado pelo artigo 205º CRP, que determina a obrigatoriedade das sentenças para todas as autoridades e a imposição de legislação que garanta a sua execução real.
O artigo 268º CRP concretiza especificamente este direito à protecção judicial, consagrando o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos perante a Administração. Este princípio é reafirmado no artigo 2º n.º 2 CPTA, quando se determina que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”.
A tutela jurisdicional efectiva tem de ser, no entendimento de VIEIRA DE ANDRADE, que nós seguimos, assegurada na sequência da determinação constitucional, numa tripla dimensão. Assim, quanto à disponibilidade de acções ou meios principais adequados, mas também no plano cautelar e executivo, quanto às providências indispensáveis para a garantia da utilidade e efectividade das sentenças. Daí que o princípio surja densificado, segundo o método pedagógico que o CPTA apresenta, na exemplificação de algumas das pretensões admissíveis, completada na enumeração dos possíveis objectos de litígio feita (a técnica do “repete-repete-repete”, modo Contencioso Administrativo for dummies) a respeito dos diversos processos.
Deverá também, segundo VIEIRA DE ANDRADE, acrescentar-se que a tutela jurisdicional efectiva em matéria administrativa estende-se à protecção do interesse público e de valores comunitários como a saúde pública, o ordenamento do território, o ambiente, o património cultural, etc.
A cumulação de pedidos, nos termos do CPTA, é admitida com uma grande abertura. Veja-se, a este propósito, o artigo 4º e também o artigo 47º, este último a propósito da acção administrativa especial. A cumulação de pedidos representa uma real e louvável metamorfose no sistema da justiça administrativa, tendo em conta que permite ultrapassar as limitações e as consequências que podiam apontar-se à rigidez dos meios processuais, superando, assim, as barreiras da diferença de competência ou de tramitação, nomeadamente no que diz respeito à obtenção de uma sentença que confira aos particulares uma tutela efectiva em tempo útil. E é aqui que a tutela jurisdicional efectiva se relaciona com a cumulação de pedidos. É ao serviço dos particulares que tudo existe.
A possibilidade de cumular pedidos, mesmo nos termos previstos no artigo 5º n.º 1, possibilita obter, utilizando um exemplo de VIEIRA DE ANDRADE, juntamente com a anulação de um acto, não só a condenação à prática de acto administrativo devido, mas também a reconstituição da situação hipotética, a anulação de um contrato celebrado, o reconhecimento de um direito, uma indemnização ou tudo isso. Anteriormente era necessário utilizar vários meios, com condições processuais distintas, muitas vezes em diferentes tribunais. É para garantia dos direitos dos particulares que tudo existe.
A reforma do Contencioso Administrativo chegou tarde e a más horas. Mas chegou. E trouxe consigo a figura da cumulação de pedidos, que constitui uma mudança significativa na garantia de acesso efectivo dos particulares à justiça administrativa. É, por outro lado, aquela que acabará por implicar uma maior capacidade de adaptação do juiz para adequação do processo às necessidades práticas.
A cumulação de pedidos, apesar de tudo, é uma faculdade de que dispõe o autor que deve ser utilizada estrategicamente, atendendo sempre às suas próprias expectativas perante as circunstâncias do caso concreto. No fundo, apesar de representar uma grande vantagem aos particulares, estes devem ter em consideração a sua utilidade, na medida em que a cumulação de pedidos pode envolver uma mais lenta celeridade processual, o que pode ser prejudicial ao autor, nomeadamente quando dela resulte uma maior complexidade da instrução. Daí que a própria lei, no seu artigo 90º n.º 3, permita que o tribunal diferencie no tempo os momentos instrutórios, para esclarecer primeiramente as questões relativas à pretensão principal, quando se cumulem pedidos que envolvam o reconhecimento de uma ilegalidade com outros que impliquem a condenação da Administração.

Recuso Hierárquico

A Lei do Procedimento dos Tribunais Administrativos previa nos seus artigos 25º nº1 e 34º a impugnação administrativa necessária ou recurso hierárquico necessário como pressuposto da impugnabilidade contenciosa de actos administrativos.
Assiim sempre que o particular quissesse recorrer à via contenciosa com vista á impugnação de um acto da Administração que lesasse os seus direitos ou interesses teria  que recorrer à via graciosa mediante reclamação ou impugnação administrativa e esperar determinado prazo por uma decisão do superior hierárquico em relação ao acto praticado pela entidade que lhe está infra ordenada, e só aí poderia recorrer aos tribunais administrativos para fazer valer a sua pretensão.


A reforma do contencioso administrativo o parece ter afastado pelo artigo 51º e ainda pelos artigos 59º nº4 e 5 este requisito de anterior recurso hierárquico necessário, ao deixar de fazer qualquer referência expressa a este. Denota se aqui a intenção expressa do legislador de afastar o requisito da definitividade vertical do acto administrativo impugnado contenciosamente. Esta referência expressa,no entanto, mantém-se em algumas leis especiais, sendo segundo o Porf M. Aroso de Almeida resultado de "uma opção consciente e deliberada do legislador, que não procedeu aliás à sua revogação".
Tem sido então discutida pela doutrina e jurisprudência a questão da definitividade vertical do acto administrativo enquanto pressuposto de acto impugnável e da manutenção de um recurso hierárquico necessário,certas e determinadas situações. As opiniões têm divergido, tendendo a doutrina a entender que já não existe um recurso hierárquico necessário em geral, mantendo-se apenas quando exista referência expressa em lei especial de tal pressuposto de impugnabilidade contenciosa do acto administrativo.
O Prof. Mário Aroso de Almeida refere nos que não é exigido para, haver interesse processual, enquanto pressuposto da acção administrativa, que o autor demonstre ter tentado de modo infrutífero obter a remoção do acto que considera ilegal e que o lesa nos seus direitos e interesses, através do recurso à reclamação ou impugnação administrativa. Na ausência de disposição legal expressa (anterior à reforma do contencioso administrativo e não meramente proveniente de regulamento) devemos entender que os actos administrativos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis perante os tribunais administrativos, sem  necessidade de recurso hierárquico prévio,deixa assim de ser necessário, embora possa ser útil, nestes casos. No entanto dado que não cabe ao intérprete ou aplicador tomar uma decisão que o legislador não tomou, a de revogação das disposições presente em lei avulsa que prevêem o recurso hierárquico necessário, sempre que tal esteja previsto na lei, as decisões administrativas para serem impugnadas contenciosamente tem que ser primeiro impugnadas por via administrativa, para o superior hierárquico do órgão que pratica o acto.
O Prof.Mário Aroso de Almeida entende que uma vez intentada a impugnação administrativa necessária, nos casos em que se encontra expressamente prevista, a via contenciosa a seguir será sempre a via impugnatória, quer a reclamação ou o recurso hierárquico tenham sido objecto de indeferimento expresso ou quer não tenham merecido qualquer resposta por parte do órgão competente para os decidir. É assim porque a pretensão do particular não se dirige à prática de um acto legalmente devido pela Administração, mas à remoção de um acto administrativo de conteúdo positivo que foi ilegalmente cometido. Exemplo do funcionário que foi ilegalmente demitido que pretende  a remoção do acto de demissão, para poder recuperar o lugar do qual foi ilegalmente afastado.
O indeferimento ou o decurso do prazo legalmente fixado para que a reclamação ou o recurso hierárquico necessários fosse decididos, sem a emissão de uma decisão,  abre o acesso à via contenciosa, nomeadamente impugnatória.
O Prof.José Vieira de Andrade vem justificar um recurso hierárquico necessário prévio com o fim visado pela lei de evitar intervenções desnecessárias dos tribunais, condicionando o acesso aos tribunais a uma pronúncia, ou oportunidade de pronúncia, prévia da Administração em relação à pretensão impugnatória do particular. Para este autor, e em sentido contrário ao que é defendido pela maioria da doutrina, nomeadamente o Prof.Vasco Pereira da Silva, a exigência legal do recurso hierárquico prévio não contraria o disposto no artigo 268º nº4 da Constituição da República Portuguesa. Trata-se, assim , de um condicionamento legítimo, e não uma restrição, do direito de acção dos particulares contra actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, visto que, que não impede o exercício posterior da acção contenciosa contra aquele mesmo órgão, quando este se tenha pronunciado de modo autónomo do órgão recorrido ou quando haja acto expresso que decida o recurso. Para além disso defende o autor que os meios de impugnação administrativa quando considerados por lei necessários, suspendem de modo automático a eficácia do acto, são informais e proporcionam inúmeras vantagens, incluindo a de obrigar uma entidade administrativa mais qualificada, porque superior hierarquicamente, a pronunciar-se sobre a situação e por último encontram-se sujeitas a decisão em prazo curto. O juiz contudo deverá dispensar a impugnação administrativa necessária sempre que tal implique, no caso concreto, uma restrição de natureza  intolerável do direito ao recurso contencioso, não só na perspectiva de efectividade substancial da tutela como na de direito a uma decisão em prazo razoável.
Em sentido contrário, e numa posição mais radical, Vasco Pereira da Silva entende o recurso hierárquico prévio como desnecessário face à alteração que ocorreu em virtude da reforma legislativa do contencioso administrativo.
Antes da reforma o autor já se tinha pronunciado pela inconstitucionalidade da figura do recurso hierárquico necessário face ao disposto no artigo 268º nº4 da CRP, pois a inadmissibilidade de recurso contencioso, quando não tenha existido previamente o recurso hierárquico necessário, equivale na uma negação de um direito fundamental que é o acesso aos tribunais administrativos. A distinção feita no âmbito da lei anterior entre recurso hierárquico necessário e facultativo tinha  a ver com a questão de saber se o acto administrativo era ou não insusceptível de recurso contencioso, o que não faz sentido face à solução consagrada pelo CPTA.
O CPTA afasta definitivamente a necessidade de recurso hierárquico, como pressuposto de impugnação contenciosa dos actos administrativos através de a)consagração de impugnabilidade contenciosa de qualquer acto administrativo que possa lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de particulares ou que seja dotado de eficácia externa, pelo artigo 51º nº1 CPTA (e não apenas dos actos praticados por superiores hierárquicos )e de b) atribuição de efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo à utilização de garantias administrativas, pelo artigo 59ºn4 CPTA.
No entendimento do Porf Vasco Pereira da Silva o recurso hierárquico passou a ser desnecessário, mas tornou-se útil. Assim sendo, o  particular tem agora a possibilidade de escolher entre a utilização prévia de uma garantia graciosa ou recurso hierárquico ou de aceder logo à via de impugnação contenciosa, podendo fazê-lo também quando recorrer previamente à via graciosa.
O autor não concorda com a interpretação restritiva feita pelos Profs.Mário Aroso de Almeida e José Vieira de Andrade no sentido de que só foi revogada a regra geral da existência de recurso hierárquico necessário, constante do CPTA, mas não as inúmeras disposições constantes de lei avulsa que prevêem expressamente o recurso hierárquico necessário como condição da impugnação contenciosa de determinados actos administrativos. Este autor entende que se trata de uma contradição insanável a ideia segundo a qual o recurso hierárquico deixou de ser necessário, mas ainda assim possa continuar a ser exigido como condição prévia de impugnação. Estaríamos assim perante o nascimento de uma figura conceptual que o autor denomina de "recurso hierárquico desnecessário necessário". Deve entender-se que as normas constantes de lei especial caducam por falta de objecto, na medida em que a garantia que antes lhe estava nas bases e que deixou de ser um pressuposto processual da impugnação de actos administrativos.
A solução defendida pelo autor seria a seguinte: a revogação expressa das disposições que prevêem o recurso hierárquico necessário, por uma questão de segurança e certeza jurídicas, dado que elas já caducaram nos termos referidos anteriormente; e a generalização da regra de atribuição de efeito suspensivo a todas as garantias administrativas, eventualmente acompanhadas da fixação de um prazo curto para o exercício da faculdade de impugnação administrativa pelos particulares (30 dias – prazo geral para a prática de actos administrativos de acordo com o artigo 168º nº1 CPA), que apenas teria relevância para a aplicação do regime de suspensão automática da eficácia, até a decisão do recurso hierárquico ou garantia administrativa. Deste modo seriam satisfeitos todos os interesses relevantes em presença; o do particular que passava a gozar de um maior estímulo para utilizar o recurso hierárquico e as garantias administrativas sem nunca ver precludido o respectivo direito de acesso ao tribunal; o da Administração, que passaria a ter em termos mais amplos uma segunda oportunidade, para melhor cumprir a legalidade e realizar o interesse público, podendo satisfazer desde logo as pretensões do particular e pôr termo ao litígio e por último o bom funcionamento do sistema de justiça administrativa pois o eficaz funcionamento das garantias administrativas afastaria da esfera dos tribunais administrativos litígios que poderiam ser previamente resolvidos. Esta solução ideal encontra-se contudo muito longe de ser a solução adoptada pelo nosso legislador, ficando por enquanto apenas na esfera do idealismo, mas podem ser dados maiores passos na resolução legislativa desta questão. O recurso hierárquico é assim desnecessário mas pode revelar-se útil para os particulares que pretendem fazer valer as suas pretensões contra a Administração.

Em conclusão,considero que na prática continuam a existir algumas situações de recurso hierárquico necessário, quando a lei o preveja expressamente, sufragando neste aspecto a opinião do Prof.Mário Aroso de Almeida. Nas situações em que o recurso hierárquico não seja necessário por revogação expressa operada pelo artigo 51º nº1 CPTA, ainda assim ele pode ser útil conferindo ao particular a oportunidade de pedir primeiro uma decisão por parte do superior hierárquico do autor do acto administrativo, podendo o autor ter um interesse atendível nesta reclamação ou impugnação administrativa prévia. Ao mesmo tempo permite-se assim libertar os tribunais administrativos, para a resolução de outras questões, de questões que podem ser resolvidas mediante um recurso hierárquico que revogue a decisão que lesa direitos e interesses legítimos do particular tomado por uma outra entidade que se encontra a ele subordinado hierarquicamente.

A Responsabilidade da Administração por Actos de Gestão Pública


Com base na Constituição da Reoública Portuguesa (doravante CRP) distinguimos duas ordens jurisdicionais, por um lado, os tribunais judiciais e por outro os tribunais administrativos (e fiscais), art. 209.ºn.º1. Estamos então perante duas ordens jurisdicionais formadas por um conjunto de tribunais hierarquizados e encabeçados por um supremo tribunal próprio, integrados por magistrados com estatutos e carreira específicos.
A ordem jurisdicional comum e a administrativa são articuladas por um Tribunal dos Conflitos, formado por magistrados dos dois Supremos Tribunais.
A responsabilidade administrativa baseia-se na distinção entre danos causados no desempenho de actividades de gestão privada ou de gestão pública, respondendo, respectivamente, perante os trinunais judiciais ou perante os tribunais administrativos.
Cabe a última palavra ao Supremo Tribunal Administrativo orientar com a sua jurisprudência a aplicação do Direito na matéria da responsabilidade extracontratual da Administração por actos de gestão pública.
O conceito de actos de gestão pública é bastante importante para determinar a competência dos tribunais administrativos e comuns, nas acções de responsabilidade extracontratual da Administração. Este conceito surgiu no Código Civil de 1967, e pelo DL n.º48051, de 21 de Novembro de 1967, que regula a matéria da responsabilidade extracontratual do Estado não submetida à aplicação directa do Direit Civil.
Ao longo do tempo foram então sendo identificadas várias situações típicas que nos permitem distinguir e definir os actos de gestão pública e os actos de gestão privada.
Segundo a doutrina do professor Marcelo Caetano, os actos de gestão pública são identificados a partir do poder de autoridade. A actividade administrativa é regulada pelo Direito Público, por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público.
Já Freitas do Amaral considera os actos de gestão pública à luz de uma teoria do enquadramento institucional, aqueles que sejam praticados pelos órgãos ou agentes da Administração no exercício de uma função pública, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção. É também esta, no geral, a orientação seguida pela jurisprudência do Tribunal de Conflitos.
A responsabilidade administrativa por actuação de gestão pública pode então assumir três modalidades, a responsabilidade por facto ilícito culposo; a responsabilidade pelo risco e a responsabilidade por actos lícitos.
A responsabilidade por facto ilícito culposo, prevista no art. 6º do DL n.º48051 de 21 de Novembro, é uma responsabilidade subjectiva, baseada na culpa, e apreciada segundo os pressupostos: facto ilícito, culposo, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O direito subjectivo exige uma susceptibilidade de apropriação individual do seu objecto.
O facto ilícito não abrange apenas as condutas que violam regras e princípios, mas também os comportamentos que não sejam dotados da diligência exigida, ou causem dano. Podem consubstanciar uma acção ou uma omissão.
A culpa, baseia-se na imputação de uma lesão do ambiente a um sujeito administrativo, quer em resultado de uma actuação individualizada de um órgão ou agente, quer decorrente do mau-funcionamento se um serviço público.
O dano pode ser analizado na prespectiva da “quantidade”, de modo a poder determinar a partir de que momento podemos afirmar estar na presença de um dano suportável ou insuportável, de modo a delimitar a indemnização por danos “razoáveis”.
O nexo de causalidade entre o facto e o dano é também de dificil verificação, até porque, na maior parte dos casos não há apenas uma causa que gera o dano. Recorre-se então, na maior parte dos casos, a “presunções de causalidade”, que dão grande margem de decisão ao juiz, que recorre a “regras de probabilidade”.
Analisamos de seguida a responsabilidade pelo risco, art. 8º do DL nº48051. A administração é responsável pelos danos que causa no exercício de actividades perigosas, de risco. Trata-se de uma responsabilidade objectiva, pelo que não é necessário demonstrar a culpa.
A responsabilidade administrativa por factos lícitos vem consagrada no art. 9º do DL n.º48051, nos termos do qual a administração é responsável quando tenha, licitamente, imposto encargos que tenham causado danos anormais, que o particular não podia prever, e que o lesão nos seus direitos e expectativas tuteláveis.
A grande vantagem desta dualidade e separação é a possibilidade de, no mesmo meio processual, poder apreciar a ilegalidade do acto administrativo causador do dano e do pedido de condenação no pagamento de indemnização.
A grande vantagem desta dualidade e separação, e que impede que se regresse à ideia do juiz comum da responsabilidade extracontratual da admisnitração por actos de gestão pública reside na possibilidade de, no mesmo meio processual, poder apreciar a ilegalidade do acto administrativo causador do dano e do pedido de condenação no pagamento de indemnização.

Bibliografia

Vasco Pereira da Silva, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, coimbra, almedina, 2009

José Manuel Sérvulo Correia. - Vol. 2. - Estudo nº 26, publ. em: Cadernos de justiça administrativa, nº 16 (Jul.-Ago. 1999)

Acção de Condenação á prática do Acto Devido

A acção de condenação à prática de acto administrativo devido é uma modalidade de acção administrativa especial, à luz do artigo 46º/2-b) CPTA, e vem regulada nos termos dos artigos 66.º e seguintes do CPTA.

Nem sempre assim foi, pois até à Reforma do Contencioso em 1984/85, estava em vigor um Contencioso de mera anulação,de inspiração Francesa, no qual figurava o recurso directo de anulação, segundo o qual a condenação da Administração só era admitida para as acções em matéria de contratos e de responsabilidade, e, ainda assim, de forma limitada,e de forma "encapotada", no âmbito do contencioso de anulação, através da ficção do acto tácito de deferimento. O Prof. Vasco Pereira da Silva refere que este método representava uma forma ineficaz de tutelar os direitos dos particulares com os seguintes argumentos; a construção de um acto que se"finge" existir para depois "se fingir" que se anula para se continuar "afingir" que daí resulta qualquer obrigação de praticar o acto contrário não tem qualquer relevância do ponto de vista prático nem teórico.
E isto porque ao Tribunal só cabia o poder de anular actos, e nunca de dar ordens à Administração que tinha por detrás dela o "todo poderoso" Estado, assim uma ordem de condenação não teria senão a eficácia de uma mera anulação, já que "julgar" não pode ser "praticar actos em vez da administração". Era este o entendimento daqueles que pensavam estar, assim, a respeitar o princípio da separação de poderes. Ora, esta confusão entre o poder de julgar e o de administrar não tem sentido, visto que, uma coisa é condenar a Administração à prática de actos administrativos o que corresponde a tarefa de julgar, outra é o tribunal praticar actos em vez da administração e assim interferir no domínio da discricionaridade Administrativa, fazendo sentido, neste último caso,sim, invocar o principio da separação de poderes.

Nos Casos de Omissão Legal surge, com a Reforma do Contencioso (1984/85), a acção para o reconhecimento de direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 69.º LEPTA), o qual vigorou ao lado do recurso directo de anulação, e das tradicionais acções, em matéria relativa a responsabilidade civil e de contratos. Neste sentido, os particulares poderiam optar entre intentar logo a acção para o reconhecimento de direitos ou optar por utilizar o recurso de anulação do indeferimento tácito, neste sentido pronuncia se o Prof. Freitas do Amaral.
Só com a revisão constitucional de 1997, surge efectivamente um novo meio processual de natureza condenatória criado pelo legislador constituinte. Denota-se, então, a possibilidade de determinação da prática do acto devido , componente essencial do princípio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares, em face da Administração(artigo 268.º/4 CRP), possuindo este natureza de direito fundamental, e então , imediatamente aplicável de acordo com o artigo 18 nº 1 CRP.
E é assim, ao longo deste "processo terapêutico", com a passagem da Administração agressiva a prestadora e infra-estrutural , e com a superação dos "traumas de infância" do contencioso de plena jurisdição que surge a acção de condenação á prática do acto devido como modalidade de acção administrativa Especial, art. 66 CPTA.
O artigo 66.º CPTA abrange, duas modalidades de acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido:
a) condenação à emissão de acto ilegalmente omitido;
b) condenação à emissão de acto ilegalmente recusado de conteúdo favorável, em substituição do acto anterior desfavorável
No que diz respeito ao objecto do processo, este deve incidir sobre uma ligação do pedido e da causa de pedir, considerados como dois aspectos de direito substantivo invocado. Como invoca MANDRIOLI o pedido e a causa de pedir são simultâneamente "verso e reverso da mesma medalha, sendo certo que a medalha de que estas duas perspectivas são as duas faces, é o direito substancial e , mais precisamente,o direito substancial afirmado".

Importa agora referir o que é o acto devido.
Na visão do "objecto do processo" defendida pelo professor Vieira de Andrade, o acto devido é aquele que, na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão , quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão.
Todavia, o professor Vasco P. da Silva não concorda com esta sobre valorização do pedido imediato (o efeito pretendido pelo autor, isto é, a condenação na prática do acto devido) sobre o pedido mediato (o direito subjectivo que se pretende tutelar com esse efeito) e à causa de pedir (a lesão pela omissão ou pela actuação ilegal da administração), pois adopta antes uma concepção ampla do processo, que abrange também a consideração da causa de pedir. Assim,o objecto será a pretensão do interessado, mais correcta e especificamente, o direito subjectivo do particular a uma determinada conduta da administração; e não o acto de indeferimento.
Esta visão merece a concordância do professor Mário Aroso de Almeida, que refere: "o processo de condenação não é configurado como um processo impugnatório,no sentido em que , mesmo quando tenha havido lugar á prática do acto devido o objecto do processo não se define por referência a esse acto ". Daqui se retira a irrelevância da existência do acto administrativo prévio, sendo que mesmo quando ele exista, a apreciação judicial apenas incidirá sobre a posição substantiva do particular. Conclui se,então, que o acto administrativo não possui qualquer autonomia ,em caso de procedência do pedido do particular relativamente ao direito subjectivo lesado,ele é automaticamente eliminado.
O artigo 71.º CPTA, adopta a concepção ampla, pois o que o tribunal aprecia verdadeiramente é a concreta relação administrativa entre o particular e a Administração, no intuito de apurar a existência ou não do direito do particular, e determinar o próprio conteúdo do acto devido. Mais, o tribunal aprecia a concreta relação jurídica material tal como se configura no momento em que a decisão vai ser proferida, o que permite ao particular impugnar não só os actos praticados antes do processo, como também actos parcial ou totalmente desfavoráveis praticados na pendência da acção - artigo 70.º/1 e 3 CPTA. Assim, de denota que os poderes de pronúncia do juiz devem ir tão longe quanto o exigirem os direitos dos particulares necessitados de tutela no âmbito da relação administrativa em causa.
E esta ideia de se garantir, na sua plenitude, os direitos dos particulares necessitados de tutela vai mais longe, pois nos termos do artigo 51.º/4 CPTA, o tribunal deve convidar o particular a substituir o seu pedido,respeitando se o princípio do pedido, sempre que tenha intentado acção de estrita anulação contra um acto de indeferimento, dando-se novamente ênfase e preferência à acção de condenação.Assim, o particular deve ser convidado a fazer o pedido adequado, o código considera,então,que o objecto de apreciação jurisdicional, nos casos em que a administração se encontra vinculada a actuar de um modo favorável ao particular é o próprio direito do particular conduta devida.

No que diz respeito ao contéudo das sentenças das acções de condenação,importa ter em conta (no que se refere as situações em que a Administração tem de actuar ) que o contéudo decisório,apesar de exercido no seu âmbito discricionário, é submetido a controle jurisdicional. Apesar do tribunal não poder determinar o contéudo do acto a praticar(violar se ia o principio da separação de poderes) pode e deve explicitar as vinculações a que devem ser observadas pela Administração na emissão do acto devido,art.71 nº 2 CPTA.
Assim, é de prever que os contéudos das sentenças de condenação na prática do acto administrativo sejam muitissimo diferenciados, o Prof MÁRIO AROSO DE ALMEIDA considera os como "processos de geometria variável" .
Existem, para o professor Mário Aroso de Almeida, três modalidades de sentenças:
1. de condenação estrita: a Administração está vinculada, por lei, a proferir a sentença com um conteúdo determinado;
2. "redução da discricionaridade a zero": a lei confere, em abstracto, certos poderes à Administração, contudo, no caso concreto, tem de praticar um acto com um determinado conteúdo.
3. com conteúdo discricionário: a Administração pode praticar um qualquer acto, não estando sujeita a especificações quanto ao conteúdo do mesmo.
Já o professor Vasco Pereira da Silva considera existirem apenas duas modalidades de sentenças:
- de discricionaridade em sentido abstracto: a lei vincula a Administração à prática de um acto com um determinado conteúdo, tanto no que concerne à oportunidade, como ao modo de exercício,exercício de poderes vinculados;
- de discricionaridade em sentido concreto: a lei vincula a Administração à prática de um acto com um conteúdo relativamente indeterminado, já que embora as escolhas quanto ao caso concreto sejam da responsabilidade desta, o tribunal estabelece os elementos vinculados (competência, fim e princípios) a respeitar, e fornece orientações quanto aos critérios de decisão – artigo 71.º/2 CPTA. São, na verdade, denominadas sentenças "mistas", uma vez que combinam efeitos de natureza condenatória estrita (quanto à prática do acto e aos elementos vinculados), efeitos declarativos de simples apreciação (quanto aos elementos discricionários), e efeitos de apreciação conformadora e preventiva da actuação administrativa futura (pois ao delimitar as circunstâncias do caso em concreto, está também a fazê-lo, ainda que indirectamente, para os futuros casos de natureza semelhante).


Relativamente aos pressupostos processuais importa chamar á colação os art. 67, 68 e 69 do CPTA. É necessário averiguar quais os pressupostos para o pedido de condenação:
a) No caso de existência de uma omissão administrativa ou prática de acto de conteúdo negativo(artigo 67.ºa) CPTA) , é necessário que tenha havido um pedido do particular,apresentado ao órgão competente com o dever legal de decidir e que não tenha sido proferida decisão dentro do prazo estipulado.
Nestes casos consideravam se tacitamente indeferidas tais pretensões á luz do artigo 109 nº1 CPA,com vista, a permitir a sua impugnação contencioso, só essa "ficção legal" foi considerada desnecessária. O Prof Vasco Pereira da Silva, prossegue a posição do Prof Mário Aroso de Almeida, defendendo que o art. 109 nº1 do CPA deve entender se como tacitamente derrogado no que se refere á parte em que reconhece ao interessado a "faculdade de presumir indeferida a sua pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação". A expressão deve ser entendida como se dissesse que a falta de decisão adminstrativa confere ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado.
Casos há, porém, em que a omissão equivale ao deferimento tácito do pedido do particular (artigo 108.º CPA), o qual é, igualmente, uma ficção legal. Será admissível a propositura de acção de condenação nestes casos?
Os professores Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, que consideram o deferimento tácito um acto administrativo que resulta de uma presunção legal, entendem que não, pois a produção do acto omitido já resulta da lei.
Já o professor Vasco Pereira da Silva não considera sequer o deferimento tácito como um acto administrativo,refere o como uma "ficção legal de efeitos positivos e assim aceita a possibilidade de pedido de condenação em pelo menos duas situações de deferimento tácito:
- No caso de deferimento tácito parcialmente desfavorável, isto é, quando formado nos termos da lei e não corresponder integralmente ao pedido do particular, permitindo a proposição de novos pedidos de condenação
- deferimento tácito apenas favorável relativamente a alguns dos sujeitos,mas não aos demais que se vêm confrontados com efeitos desfavoráveis, aquando de uma relação jurídica multilateral.
Em qualquer destes casos estamos perante uma omissão de acto administratio devido, em que se podem denotar efeitos positivos, decorrentes da ficção legal, mas também efeitos susceptíveis de serem configurados como desfavoráveis. Nestas Situações em que existem efeitos desfavoráveis, relativamente ao requerente ou a outros sujeitos da relação multilateral, o pedido adequado parece ser o da condenação em acção administrativa Especial.
 
b) acto administrativo desfavorável ou de conteúdo negativo (artigo 67.ºnº 1-b) e c) CPTA): diz respeito à denegação do alegado direito do particular, e pode advir tanto da recusa da prática do acto, como da recusa de apreciação do pedido, isto é, do requerimento.
 
c) O artigo 68.º CPTA refere se a regras de legitimidade quando estão em causa pedidos de condenação , e neste caso, são partes legitimas para os apresentar :

- sujeitos privados: os indivíduos e pessoas colectivas que aleguem a titularidade de um direito ou interesse legalmente admitido (artigo 68.º/1-a) e b) CPTA);
- sujeitos públicos: as pessoas colectivas mas também órgãos administrativos, uma vez que embora o preceito não o preveja, os órgãos são os verdadeiros sujeitos públicos em direito administrativo e, por outro lado, o artigo 10.º/4 CPTA entende que os pedidos dirigidos aos órgãos devem ser considerados como dirigidos às pessoas colectivas, pelo que, tal como entende o professor Vasco P. da Silva, não se vê qualquer sentido útil em admitir pedidos de condenação no domínio de relações inter-subjectivas e já não no âmbito das inter-orgânicas, então , deve valer tanto "para fora" como "para dentro" das pessoas colectivas. Assim sendo o artigo 68.ºnº1 b) deve ser interpretado à luz do artigo 10º, dando prevalência a factores de ordem material sobre os de natureza formal.
- Ministério Público (actor público): actua na defesa da legalidade e do interesse público, apenas quando tal advenha de um dever objectivo que resulte directamente da lei, pelo que só pode formular pedidos de condenação quando esteja em causa, ao abrigo do artigo 68.º/1-c), a ofensa de um direito fundamental de um interesse público especialmente relevante(tão relevantes que chega ao ponto de se permitir ao MP desenvolver mecanismos destinados a protecção de direitos subjectivos) ou de qualquer bem referido no artigo 9.º/2 CPTA.

No que se refere a compatibilidade do pressuposto processual da legitimidade do MP com os pressupostos relativos ao comportamento da Administração, o Prof Vasco Pereira da Silva considera que só é admissivel a intervenção do Ministério Público, quando tenha sido emitido um acto administrativo de contéudo negativo, mas já não nos casos em que estejamos perante uma qualquer omissão administrativa, visto que, de uma prespectiva objectiva, de defesa da legalidade e do interesse público, é mais grave a emissão de um acto administrativo ilegal do que a verificação de uma omissão de comportamento ilegal , do ponto de vista subjectivo , da protecção das posições de vantagem, a omissão pode ser tão ou mais relevante do que a actuação de contéudo negativo. Daqui resulta a necessidade de tratamento diferenciado consoante estamos perante uma acção para defesa de interesses proprios ou face a uma acção pública e da acção popular.
Já os professores Mário A. De Almeida e Vieira de Andrade admitem a legitimidade em ambos os casos, isto que o preceito circunscreve o poder de actuação do MP em que o dever de praticar o acto seja um dever objectivo sem dependência de apresentação de requerimento, nestes casos, então, o MP não tem de apresentar qualquer requerimento dirigido á prática do acto objectivamente devido nem de aguardar qualquer resposta para pedir a condenação da administração ao cumprimento do seu dever de agir.
No que diz respeito ao Actor popular, também este tem legitimidade para apresentação de pedidos de condenação á prática de acto devido de acordo com o artigo 68º/1-d), por remissão ao 9º/2 CPTA. Denota se a necessidade de conciliar as disposições atributivas de legitimidade relativas ao actor público e ao actor popular, neste sentido, o actor popular só deve actuar quando o dever de praticar o acto resulte directamente da lei e esteja em causa a tutela de direitos fundamentais ou de interesse público especialmente relevante. O actor popular só é considerado parte legitima quando estamos frente a frente com um acto administrativo de contéudo negativo e não quando estamos perante qualquer omissão administrativa.

O último dos pressupostos relativos á propositura da acção é a oportunidade do pedido (artigo 69.º CPTA) que nos refere que em caso de inércia da Administraçao, o prazo é de um ano a contar desde o termo do prazo para a emissão do acto ilegalmente omitido,art. 69.ºnº1, em caso de acto de conteúdo negativo, o prazo estabelecido é de três meses, contados da notificação do acto,art. 69.ºnº2 e 3. O decurso do prazo não produz qualquer efeito substantivo mas apenas efeitos processuais, uma vez que só diz respeito ao pedido formulado, não dando lugar à sanação da invalidade,isto porque, um acto que já não pode ser impugnado pode ainda ser apreciado pelo tribunal, a título incidental, num processo distinto (em acção administrativa comum, ainda que sem eficácia condenatória quanto à prática do acto), em que estejam em causa outros direitos,artigo 38º.

Impugnação de Actos Discricionarios da Administração


As normas externas distinguem-se das normas internas pelo facto de não conformarem directamente o conteúdo decisório do acto administrativo, ao contrário das internas.

As normas externas são normalmente instrumentais em relação aos interesses jurídicos materiais, e possuem especial importância na defesa e garantia dos interesses materiais dos particulares, na actividade administrativa não vinculada. É nesta medida que cabe analisar a questão, nos casos em que a Administração actua com discricionariedade.
.” Quando a Administração actua em termos vinculados no cumprimento estrito de uma disposição legal, podem ainda levantar-se importantes questões no âmbito da impugnação contenciosa, relativos à legitima possibilidade do particular impugnar uma decisão administrativa legalmente vinculada, sem com isso conseguir alterar a sua situação jurídica, invocando simplesmente a preterição de um dever procedimental, como o dever de fundamentação. O acto formalmente inválido pode ser impugnado, com legitimidade, pelo particular, pela violação do seu dever à fundamentação, mesmo que a sua situação real nunca possa ser alterada.” segundo Estêvão Nascimento da Cunha.
A Constituição exige a responsabilização do Estado quando existe uma violação de uma posição subjectiva, substancial ou instrumental. Mas quanto mais alta é a protecção das normas instrumentais, maior é a margem de livre decisão administrativa, e consequentemente, mais dificil é provar qual deveria ter sido a conduta adoptada pela Administração.
As normas externas são caracterizadas pela sua eficácia, que é obtida a partir do momento da emissão do acto, de acordo com a perspectiva do acto definitivo e executório. Esta definitividade deve ser vertical e horizontal. O art. 51º CPTA enquadra como critério a adoptar, a eficácia externa, que é material e horizontalmente definitiva, deixando de incluir a definitividade vertical. É assim, de acordo com esta perspectiva, que o acto dotado de eficácia externa, é susceptivel de lesar direitos subjectivos dos particulares. XXContudo, podem também ser impugnados actos que lesem direitos dos particulares, ainda que sem eficácia externa, de acordo com o art. 54º CPTA.)
Normas formais, como a que prevê o dever de fundamentação do acto admnistrativo, atribuem aos particulares posições jurídicas subjectivas instrumentais. A generalidade das normas externas contém garantias dos particulares face ao exercício do poder administrativo. Assim, as decisões destinam-se a dar conhecimento ao particular dos fundamentos mas também garantir uma ponderação efectiva, ainda que não exista discricionariedade decisória.
As normas externas, enquanto protectoras de interesses, tutelam de forma indirecta ou instrumental o particular. Existe então uma tutela instrumental na generalidade dos sectores da actividade administrativa.
Quando o particular tem uma pretenção e há violação de normas externas, normas de protecção, a ilicitude é instrumental. Mas se a pretenção for de oposição, há uma dupla ilicitude: instrumental por um lado, caso as normas externas violadas sejam normas de protecção; e material, pelo facto do acto configurar uma agressão ilegítima e legalmente infundada à posição jurídica subjectiva material e opositiva que já existia na esfera jurídica do particular.
Existe uma posição jurídica subjectiva contra qualquer forma de agressão. A ilicitude material nem depende do facto da norma violada constituir uma norma de protecção, mas pressupõe que essa violação seja consequência de uma nulidade ou anulação do acto. Esse acto não pode voltar a produzir efeitos, ao contrário da ilicitude instrumental, que prescinde da efectiva anulação do acto, de acordo com o art. 38º CPTA.
Ambas as ilicitudes inquinam o acto administrativo, e o seu conteúdo decisório. Nesta medida, não podemos afirmar que a falta de fundamentação afecta o direito do particular de perceber os motivos, que até podem ser claros, mas sim que o acto administrativo praticado viola o direito à fundamentação que o particular possui, por lei. "No nosso ordenamento a ilicitude faz parte da conduta lesiva, e não do resultado danoso." Pode até nem existir dano.
Nas situações em que há uma oposição, deve analisar-se a situação do particular como se o acto não tivesse sido praticado, Quando se requer uma pretenção, já temos de analisar qual teria sido o conteúdo da decisão sem a ilegalidade. Contudo, independentemente da procedência da acção, o particular tem sempre legitimidade para iniciar uma acção em que requer a apreciação da legalidade do acto.
Pode ainda analisar-se o comportamento lícito alternativo, que visa provar que a consequência se verificaria ainda que não houvesse violação de nenhuma norma, nomeadamente provando que aquele acto era vinculado, sem margem de discricionariedade. Ainda assim entendo que, no sentido de Estêvão Nascimento da Cunha, a "causa virtual é atribuivel ao próprio agente" e a "incidência da ilicitude é sobre a conduta e não sobre o resultado"
Assim, quando estamos perante situações pretensivas, o tribunal analisa de forma objectiva qual o sentido da decisão sem violação das normas, o que está ainda dentro da sua competência, não invadindo poderes próprios da administração.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A Acção Popular

O Procedimento de Acção Popular

A acção popular pode revestir qualquer das formas previstas no CPC, art. 12,nº2 da LAP. Pode assim recorrer-se a todos os tipos de acções previstas naquele código.
Carlos Diego de Souza Lobo Lobo configura o direito ao ambiente como um direito metaindividual, um direito de 3ª geração, é um direito subjectivo público, pois confere um dever-poder por parte do Estado. Tem um carácter positivo, pois pode levar à inconstitucionalidade por omissão, e tb negativo, quando há abstenção por parte do Estado ou terceiros de acções atentatórias aos direitos conferidos.
Alguma doutrina configura estes direitos como direitos difusos
Acção Popular como meio processual apto à tutela dos interesses metaindividuais, acções populares de massa ou acção popular de interesse difuso
É uma excepção à regra da legitimidade processual. É de aplicação excepcional e taxativa, só podendo ser exercida nos casos estabelecidos na lei.

É um direito de acção judicial, em que a legitimidade não é averiguada de modo concreto e casuístico, afastando-se da noção de interesse directo e pessoal, aferindo-se em termos gerais e abstractos, a partir da integração objectiva de certas qualidade, inserção em determinada categoria de indivíduos

O conceito de cidadão
“cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos” - O conceito de cidadão diverge do art. 4º CRP.
Atende-se à interpretação jurisprudencial, Ac. STA 2004 referente ao processo 01581/2003, de onde se conclui que: - o direito de acção popular radica no cidadão, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos. - basta a prova do recenseamento eleitoral para ser considerado um cidadão.
Não parece atendível, no nosso ordenamento, a necessidade de identificação da titularidade de legitimidade para a acção popular, bastaria, em termos gerais, a prova de que se é cidadão português.
Qualquer pessoa humana é titular de direitos, como os previstos nos artigos 67º CC; 12º e 30ºn.º4 CRP; 65ºCP.

A Legitimidade na Acção Popular

Unindo a noção de interesse individual que cada um possui em relação ao ambiente, à noção de interesses difusos colectivos, este tipo de interesses difusos, gera um problema de determinação da legitimidade processual.
Começamos então por defender uma interpretação alargada do art. 52ºnº3 da CRP, uma vez que a Acção Popular tende a alargar a legitimidade activa, em todos os processos a que se aplique.
A Acção Popular, como instituto democrático de intervenção directa, permite uma participação do cidadão no âmbito da actividade da Administração Pública, independentemente de ter ou não um interesse directo na demanda, art. 2º,n. 1 Lei 83/85.
Traduz-se num alargamento da legitimidade processual activa do art. 9º CPTA pela maior amplitude que o art. 2º da Lei 83/85, que no fundo concretiza o CPTA, e estabelece regras de aplicação a estes processos nos arts. 13º ss.
A legitimidade activa na Acção Popular pode então pertencer:
- Cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos;
- Associações e fundações, com personalidade jurídica, que tenham previsto nos seus estatutos a defesa do interesse em causa;
- As autarquias locais, relativamente aos interesses dos residentes na sua área de circunscrição.

O Ministério Público

O Ministério Público, como garante institucional da democracia e defensor da actuação legítima da administração, tem legitimidade activa para propor, por sua iniciativa ou a requerimento de um particular, recursos contenciosos de anulação de actos administrativos  46º2RSTA e 821º2 CA  69º ETAF
Figueiredo Dias - “O principal contributo da acção popular será o de ultrapassar as deficiências de uma tutela jurisdicional do ambiente baseada em concepções exclusivamente individualistas que conduzem, no esquema tradicional, a uma (mera protecção de interesses subjectivos bem delimitados)”
Outra especificidade é o facto do MP representar o Estado;  ausentes;  menores e incapazes, sendo eles autores ou réus, art. 16º Lei Acção Popular.
Pode ainda, no âmbito da fiscalização, tomar o lugar do autor da acção quando se verifique um comportamento lesivo dos interesses ambientais em causa.
A Acção popular é um importante meio de participação política do cidadão e pode ser utilizada para anular um acto administrativo comissivo ou omissivo, ainda que sem directa relação com o dano ambiental.



O Interesse na Acção

O titular da acção pode propô-la mesmo sem interesse directo na demanda. art. 2º L83/95; 45º2LBA não há uma vinculação a factores subjectivos ou materiais de relação directa com o facto. Em sentido contrário, Teixeira de Sousa, que entende que só tem legitimidade para demandar, quem tiver interesse nisso, quem tiver uma relação pessoal ou estatutária com o interesse difuso.
Entende-se, contudo, que, tendo em vista o direito que se visa tutelar, o direito do ambiente, não parcere fazer muito sentido vincular a legitimidade ao interesse da demanda, sob pena de ser impossivel determinar com certeza o grau do dano e quem afecta em concreto.

Indeferimento Liminar

Relativamente ao indeferimento liminar da petição, admite-se que se prescinda do despacho liminar, nos termos do art.234ºCPC, mas tem de haver sempre uma compatibilização das especificidades da acção popular com as regras gerais procedimentais. Assim, no silêncio da LAP quanto à apreciação dos pressupostos processuais, o juiz verifica e controla nos termos do processo em causa.
Há, no entanto, uma situação especial de indeferimento liminar, quando seja notória a improcedência daquela acção, art. 13º.
A citação é feita, tratando-se de interesses de toda a comunidade, pelos meios de comunicação social, ou através da afixação de éditos, estando em causa interesses geograficamente determinados.

Os Poderes do Juiz

Relativamente aos poderes do juiz, a LAP parece reforça-los ao nível da mediação e da intervenção, prevendo amplos poderes inquisitórios, art. 17º e 19ºnº1, e um papel de protagonismo na conciliação de interesses, art. 22º.
A indemnização decorrente da condenação prescreve dentro de três anos, revertendo esse valor para uma conta especial do Ministério da Justiça, dando origem a uma espécie de “fundo” especial que é depois afecto ao apoio ao acesso aos tribunais no âmbito da acção popular, art. 22ºnºs4 e 5 da LAP.




Regime especial de indeferimento da petição inicial:

O juiz pode indeferir quando entender que o pedido é manifestamente improcedente, por ausência de fumus boni iuris, sendo uma decisão sumária de mérito.
Apesar da acentuada importância que o legislador conferiu à Acção Popular de tutela de interesses “meta-individuais qualificados” foi mantida, pelo CPTA, a acção popular para o controlo da legalidade objectiva, no âmbito do contencioso autárquico, art. 55º, n.2, que não está vinculada à lesão ou ameaça de lesão, nem interesse materialmente qualificado, decorrente de norma ou acto administrativo.

O Caso Julgado

O caso julgado tem limites, começando pela não abrangência dos indivíduos que se auto-excluíram da acção, independentemente da sua procedência.
A eficácia geral da acção visa impedir que se proponha nova acção quando a presente não seja procedente, nomeadamente por insuficiência de prova.


Esta acção oferece, de facto, dificuldades de litigância. Em primeiro lugar não é uma  acção muito difundida,  e apresenta grandes dificuldades de sindicância, ao nível da prova, implicando conhecimentos  e cruzamento de informações de várias áreas.

O CPTA institui assim um sistema complexo de protecção de direitos fundamentais, através da subsidiariedade entre meios de tutela normais e intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
A lei de acção popular vem tentar compensar as insuficiências da tutela processual no contencioso administrativo, nomeadamente quanto à legitimidade processual activa.

Processos Urgentes



São uma inovação da reforma do contencioso administrativo.
Noutros países estão no âmbito das providências cautelares, tendo o nosso legislador ter preferido uma autonomização de ambos.
Encontram-se previstos nos artigos 97 a 111 do CPTA.
São processos principais, em que se pretende que o juiz profira uma decisão de mérito de forma urgente (o que distingue das providencias cautelares que são processos acessórios da decisão principal e são provisórios, ou seja, não vai haver uma decisão de mérito).
Estes processos são usados em quatro tipos de situações: contencioso eleitoral, contencioso pré-contratual, intimações para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e para intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Contencioso eleitoral, artigos 97 a 103: é um processo especial, seguindo por isso as regras do artigo 78 e a tramitação da acção administrativa especial, artigo 99 nº1, considerando no entanto, as especificidades do artigo 99.
São impugnáveis os actos de natureza lesiva.
Os seus pressupostos estão presentes no artigo 98. O processo urgente pode ser proposto por quem seja eleitor ou elegível ou por aquele que devia estar inscrito nos cadernos eleitorais mas que foi omitido, nº1.
Artigo 98 Nº 2, o prazo supletivo para intentar a acção é de 7 dias a partir do conhecimento do acto ou da omissão.
Artigo 98 Nº 3, estas acções admitem cumulação de pedidos, como nos é dito, não podem ser pedidos autónomos excepto nos casos de exclusão ou omissão de eleitores ou elegíveis dos cadernos ou listas eleitorais.
O artigo 99 indica-nos que estes processos seguem a tramitação prevista no capítulo III do título III.
Contencioso pré-eleitoral, previsto no artigo 100 a artigo 103 do CPTA.
Está a transpor directivas comunitárias.
Pode-se aplicar em relação a actos administrativos relativos ao procedimento de formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de prestação de serviços, fornecimento de bens, o programa, o caderno de encargos, ou outros documentos utilizados nos procedimentos referidos, artigo 100.
Aplica-se subsidiariamente, a tramitação das acções administrativas especiais, artigo 102 nº1, o que nos remete para o artigo 78 e seguintes, respeitando no entanto, as especificidades do artigo 102, como é o caso dos prazos, em que para se intentar a acção, o prazo é de um mês (artigo 101).
O artigo 103 possibilita a existência de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, mediante requerimento das partes ou requerida oficiosamente pelo juiz.
Intimações: pretende-se que o juiz condene na prática de um facto, na imposição de uma actuação.
Intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões, artigos 104 a 108.
Pode ser um processo a título acessório, nos termos do artigo 60 (por causa de notificação ou publicação deficientes), ou a título principal, em que o autor pretende aceder a informação sobre procedimentos e ter direito de acesso a arquivos e registos administrativos, artigo 104.
O prazo é de 20 dias, a contar da verificação de um dos seguintes factos: decurso do prazo legal sem que a entidade satisfaça o pedido feito pelo autor, indeferimento do pedido ou satisfação parcial do pedido (artigo 105).
Após a apresentação do requerimento, a autoridade requerida tem 10 dias para responder, artigo 107.
Caso o juiz decida favoravelmente em relação ao pedido do autor, é dado um prazo que não pode ser superior a 10 dias, para a entidade cumprir a decisão, e caso não seja cumprido, serão aplicadas sanções pecuniárias compulsórias, artigo 108.
Tem legitimidade, os interessados, o Ministério Público e os autores em acções populares.
Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, artigos 109 a 111.
O professor Vasco Pereira da Silva defende que este regime se aplica a qualquer direito fundamental, incluindo os direitos sociais e económicos e não apenas aos direitos, liberdades e garantias, por força do artigo 17 CRP.
Legitimidade, os próprios titulares dos direitos fundamentais em causa.
No artigo 109, como pressupostos, está a necessidade de obter uma decisão de mérito em tempo urgente, para que assim se assegure o exercício em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.
O processo segue a tramitação prevista no artigo 110 nº1 e deve o juiz decidir no prazo de 5 dias, nº2.
O juiz, na sua decisão, determina qual o comportamento que o destinatário deve seguir.
Há ainda a referir os casos de especial urgência, em que nos termos do artigo 111, os prazos do artigo 110 podem ser encurtados.



Sónia Inácio
Nº16874
Subturm8












segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Contencioso Pré-Contratual


O processo contencioso de impugnação de actos pré-contratuais é, entre nós, um dos poucos exemplos de “regimes procedimentais substantivos ad hoc”, a que a lei concede um tratamento processual específico. Isto acontece, muito pela influência do direito da União Europeia (lembremo-nos que este meio processual chegou até nós por via da transposição da Directiva 89/665 CE de 21/12/1989), mas também pelo peso económico que os contratos administrativos representam na sociedade.

No regime actual, a impugnação de actos administrativos relativos ao procedimento pré-contratual, encontra-se previsto no artigo 100º do CPTA e abrange quatro tipos de contratos: empreitada, concessão de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens. Assim, significa que, à contrário, não estarão abrangidos por este meio processual quaisquer outros tipos contratuais, o que demonstra, aquilo que alguns autores denominam de, “dualismo processual”, este é também o entendimento que resulta da leitura conjunta dos artigos 46.º/3 e 100.º CPTA.

Com a tipificação do regime deste meio processual, pretendeu-se essencialmente acautelar os interesses tanto públicos como privados, actuando primacialmente, através da promoção da transparência e da concorrência, procurando assim assegurar uma protecção adequada dos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas. Houve ainda uma clara preocupação de garantir a estabilidade dos contratos da Administração após a sua celebração, a qual se visou obter conferindo protecção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contratantes.

Relativamente às particularidades do regime, este meio deve ser utilizado quando estejam em causa quaisquer decisões administrativas relativas à formação dos referidos contratos, dado que, como resulta da conjugação dos artigos 100.º/3 CPTA e 4.º/1- e) ETAF, ele é apto, quer à impugnação de actos administrativos pré-contratuais, quer ainda à dos actos equiparados de entidades privadas. Para além do referido, o processo previsto no artigo 100º do CPTA é igualmente o meio idóneo para a impugnação directa de documentos contratuais normativos que incluem o programa de concurso, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento pré-contratual, designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas, económicas ou financeiras (artigo 100º/2 CPTA). Excepcionalmente, prevê-se ainda a possibilidade de impugnação do próprio contrato, caso o mesmo venha a ser entretanto celebrado (artigos 102.º/4 e 63.º/2 CPTA).

Quanto ao prazo para que o interessado se faça valer deste mecanismo contencioso, é de um mês, a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar à mesma, do conhecimento do acto (artigo 101.º),e ainda que se dê o caso de existirem impugnações administrativas necessárias, o prazo será igualmente de um mês em razão da urgência processual e conta-se a partir do termo do prazo legal para tal decisão, havendo omissão da decisão do recurso. Já no que respeita aos outros requisitos, aplicar-se-ão, por força do artigo 100.º/1 do CPTA, com as adaptações que se revelarem necessárias, as regras relativas à impugnação de actos. Entre estas, assumem particular relevância, aquelas respeitantes à legitimidade (artigo 55.º CPTA) e à prossecução da acção pelo MP (artigo 62.º CPTA).

Para além disso, no que se refere à tramitação, esta segue a da acção administrativa especial, sofrendo no entanto algumas nuances (as quais são enunciadas nos artigos 102º e 103 CPTA), de onde se destacam nomeadamente, a possibilidade de realização de uma audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, com alegações orais e sentença imediata (artigo 103º), e a faculdade de, em caso de impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses do autor, o juiz não proferir a sentença requerida e convidar as partes a acordarem no montante da indemnização devida, seguindo os trâmites previstos no artigo 45º CPTA (artigo 102º/5).

Finalmente, quanto aos efeitos da sentença, esta será, em regra, anulatória ou de declaração da invalidade do acto ou documento contratual.

Contudo, seguindo o entendimento de Rodrigo Esteves de Oliveira, parece que o contencioso pré-contratual é ainda, um meio “estigmatizado” pela acção administrativa especial de invalidação de actos administrativos, caracterizada apenas pela urgência e encurtamento de prazos.

Efeito de “caso decidido” – Análise da discussão

Esta foi uma ideia defendida pelo Sr. Prof. Marcello Caetano, que tentou aproximar a Administração com a Justiça, ou seja, procurou estabelecer uma equiparação dos actos administrativos com as sentenças. A consequência desta concepção é a seguinte: uma vez decorridos os prazos para que haja recurso contencioso, o acto em causa adquire um “carácter de incontestabilidade análogo ao do caos julgado”, face à perda “do direito de impugnação contenciosa”. Assim, verifica – se, de acordo com esta concepção, uma sanação do acto, passando a ser considerado como válido.
O Sr. Prof. Vasco Pereira da Silva não concorda com este ponto de vista. A Justiça e a Administração não estão no mesmo campo, e além disso, dizer que o efeito convalidatório atribuído aos actos administrativos é similar, mas com menos intensidade que o do caso julgado que se verifica relativamente com as sentenças é um paradoxo, dado que extravasa do âmbito dos efeitos conferidos ao caso julgado, pois este só comporta efeitos processuais (e não um efeito convalidatório, que se situa no plano substantivo). O que o este Professor entende, é que apesar dos actos administrativos gozarem de uma força própria, tal não deve ser confundido com qualquer efeito sanador, cujo implica a impossibilidade de recurso à tutela judicial. Ou seja, apesar do acto já não poder ser impugnado, deve ser conferida a possibilidade de se obter qualquer protecção jurídica subjectiva no âmbito das relações jurídicas administrativas, cuja pode ser ou pela via da acção de responsabilidade ou pela via da acção.
Não podemos confundir os efeitos substantivos do acto administrativo, cujos são decorrência do respectivo regime jurídico – material, dos que decorrem da ao utilização ou uso incorrecto dos meios contenciosos, que têm natureza exclusivamente processual, apesar de se poderem repercutir nas relações substantivas.
«Falar em “caso julgado” dos actos administrativos ou pretender construir um “caso decidido”, à imagem e semelhança daquele, parece ser mais uma demonstração da infância difícil do Direito Administrativo, uma reminiscência dos tempos em que se equiparavam actos a sentenças e se “confundiam” as funções estaduais.» - Prof. Vasco Pereira da Silva in “O Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”.

domingo, 22 de maio de 2011

As providências cautelares


O regime jurídico anterior das providências cautelares era algo deficiente. Com a reforma do contencioso administrativo o legislador permitiu que fossem intentadas providências cautelares de condenação provisória  quer contra particulares quer contra a administração. Antes desta reforma, os Tribunais administrativos apenas podiam conceder providências cautelares atrás das aplicação subsidiária do Código do Processo Civil. Estas providências cingiam-se apenas à suspensão da eficácia de actos administrativos. Assim, alargou-se bastante a tutela cautelar dos particulares. O artigo 112º do Código do Procedimento do Tribunal Administrativo consagra a possibilidade de os Tribunais Administrativos adoptarem a providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que considerem mais adequada a garantir o efeito útil da sentença a proferir no processo principal.
            A providência cautelar visa obter uma abstenção da actuação da Administração nos casos em que a mesma possa afectar o particular. Existe assim uma tutela das expectativas dos particulares em que a actuação da administração não chegue a prejudicar o interesse e os direitos legalmente protegidos de quem possa sofrer com a acção administrativa.
A providência cautelar pode ser dividida em duas modalidades: a providência conservatória, que se encontra no artigo 120º nº 1 alínea b) e a providência antecipatória que se encontra na alínea c) do mesmo número e artigo, ambos do Código do Procedimento do Tribunal Administrativo. Os requisitos da primeira são dois: terá de se verificar um receio da constituição de uma situação de facto consumado ou um prejuízo potencialmente irreversível (aquilo a que corresponde ao periculum in mora); a falta de fundamentação do autor não poderá ser manifesta, que se trata de um fummus boni iuris. A providência antecipatória prende-se com a tentativa do interessado em obter a adopção de medidas por parte da Administração podendo envolver a prática de um acto administrativo de modo a o interessa obter uma conduta favorável às suas pretensões. Este tipo de providência é, então, uma arma do particular para combater a inércia da Administração de modo a minimizar o periculum in mora.
Acrescem, ainda, a estes requisitos anteriores, que tem que se verificar uma proporcionalidade entre os efeitos pretendidos com a providência cautelar e aqueles que resultariam da não adopção de uma providência cautelar já que esta não pode acarretar maiores prejuízos do que aqueles que se pretende evitar através da referida providência, ideia que resulta do artigo 120º nº 2 do Código do Procedimento Administrativo.
Através destas acções os particulares adquirem uma maior tutela dos seus interesses, o que lhes permite salvaguardar a sua posição e obter da Administração uma decisão que interrompa os efeitos que estavam previamente delineados com um certo acto administrativo.

Frederico Barata
Nº 17789